postado em 10/04/2015 06:00 / atualizado em 10/04/2015 07:14
A Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais vai analisar série de denúncias contra o Juizado da Infância e da Juventude de Barbacena, na Região Central de Minas, comandado pelo juiz titular Joaquim Martins Gamonal. Ele e sua equipe são acusados por advogados, mães e representantes da organização não governamental Comissão de Direitos Humanos e Ética de Barbacena (Codhe), entidade ligada à Igreja Católica, de retirar bebês das mães, alguns dentro da maternidade, e entregar a famílias adotivas, sem o devido processo legal e o conhecimento dessas mulheres. O presidente da comissão, Luciano Avlis Marioley, vai solicitar abertura de CPI sobre o caso à Assembleia Legislativa. O juiz nega irregularidades.
Pelo menos três mães oficializaram as queixas, anexando detalhes e documentos de cada caso. A representação, de número 0000217605201516, foi protocolada na Corregedoria-Geral de Justiça de Minas. Segundo o juiz auxiliar Bruno Teixeira Lino, a apuração ficará a cargo de Soraya Lauar, juíza auxiliar da Zona da Mata mineira, que está fora esta semana, viajando a serviço do órgão.
Em pelo menos um deles, Gamonal foi obrigado a reverter a adoção e devolver a criança à mãe, em cumprimento ao acórdão do Tribunal de Justiça, que julgou a ilegalidade do processo. Há também relato de duas adolescentes que, abrigadas na Casa de Acolhimento de Barbacena, não apenas conseguiram engravidar estando sob a proteção do Juizado local, como ainda perderam seus bebês por decisão do tribunal. Em comum entre todas as histórias, está o fato de que as mães são de origem humilde, que alegam não ter tido chance de se defender em devido processo legal. Segundo a lei, só poderão perder a guarda das crianças as famílias com comprovada trajetória de maus tratos, abuso sexual, negligência ou abandono.
Um dos depoimentos mais incomuns listados na Corregedoria é o de uma ex-interna da Casa de Passagem de Barbacena. A adolescente A. de 17 anos, que deveria estar agora sob a proteção do Juizado da Infância e da Juventude, afirma que já engravidou duas vezes no abrigo e teve os filhos retirados pelo juiz. No segundo caso, o filho J.G. teria sido levado logo depois do parto. “Não sei como é o rosto do meu filho. Só vi meu bebê no parto, quando estavam limpando ele”, lamenta a jovem mãe.
Passados mais de 90 dias do nascimento, em 17 de janeiro, o berço continua vazio. O enxoval está pronto, o quartinho está ganho no Minha casa, minha vida e até os recursos financeiros para cuidar do bebê estão garantidos. Apesar da pouca idade, A. tem responsabilidade suficiente para depositar na poupança, todo mês, R$ 300 da pensão alimentícia deixada pelo pai. Só falta mesmo receber o bebê, que nasceu na Santa Casa de Barbacena. O Estado de Minas e TV Alterosa tiveram acesso ao relatório interno do hospital, que a própria mãe nunca viu, onde consta que “RN (recém-nascido) está com sua mãe adotiva; Juizado está ciente”.
No relatório consta que o bebê saiu às 13h15 do dia seguinte da maternidade, quando começou a angústia da equipe de profissionais de saúde da Santa Casa, que se recusam a dar a notícia à mãe biológica. Em um dos trechos, pode-se ler que “solicitam que o hospital através do serviço de psicologia assuma a responsabilidade de contar para a paciente que seu RN foi retirado e que foi para a adoção. Questiono e pontuo qual o motivo pelo qual não seria dado à mãe a oportunidade de tentar cuidar deste filho e ainda, se não fariam contato com familiares para verificarem essa possibilidade. Sendo assim, faço a intervenção de que esta conduta não é nossa e que não assumiria tal fato”.
Perguntado sobre o paradeiro do bebê, o juiz Gamonal afirma que o caso em questão não é dele e que seguiu ordens da promotoria, mas que “faria exatamente a mesma coisa” como titular da Vara da Infância e da Juventude. Em entrevista à TV Alterosa, ele tenta justificar dizendo que a jovem é portadora de dificuldade de aprendizado, além de não ter parentes próximos capazes de se responsabilizarem por ela. No processo, porém, não consta o laudo de insanidade mental da mãe. Segundo uma fonte, ainda que fosse verdade, por si só a doença mental de uma mãe não é motivo para perda da guarda, o que só ocorre em casos comprovados de usuários de drogas, abusadores sexuais, violência doméstica ou de abandono.
Essa não é a primeira denúncia de retirada ilegal de bebês em Barbacena, com o envio da criança diretamente para a família adotiva, sem autorização da mãe biológica. Em setembro de 2009, o sexto filho da babá G. foi levado da maternidade. A mãe descobriu que o bebê estava no abrigo de Barbacena e ficou ao lado do filho, amamentando. Depois de meses, o menino foi tomado da mãe e entregue em adoção a um casal, que mora no condomínio Vale das Andorinhas, onde reside o juiz Gamonal.
Ela perdeu a guarda do menino depois de uma denúncia anônima que, sem provas concretas, dizia que ela se preparava para vendê-lo filho a um casal do Rio de Janeiro. “Nunca contei isso a ninguém, mas agora vou dizer que jamais daria meu filho para adoção, porque eu mesma fui adotada e até hoje busco o carinho dessa mãe que me criou. Faço de tudo para ela ter orgulho de mim, mas não sou correspondida”, desabafa.
A mãe contratou diversos advogados até chegar ao escritório de um profissional especializado em direito de família, que pede para não ser identificado porque alega ter sofrido represálias do Juizado. Ele conseguiu reverter a adoção, impetrando habeas corpus para reaver o bebê, que ficou cinco meses com os candidatos a pais adotivos. “O juiz tomou a criança da mãe e entregou a um casal que não podia ter filhos antes mesmo de abrir inquérito policial para apurar o caso”, diz o advogado. O processo transitou em julgado no Tribunal de Justiça, que reconheceu a ilegalidade da adoção, “com a retirada de um bebê do seio da família biológica com base em denúncia anônima não apurada – e sem o contraditório e devido processo legal”.
“Não foi ajuizada ação que viesse a apurar a denúncia anônima posta contra os pais biológicos da criança – que foi colocada em família substituta sem que os fatos denunciados fossem, portanto, regularmente apurados. (...) Não foi sequer ajuizado pedido de tutela, adoção ou de perda do poder familiar os pais biológicos”, manifesta o texto do acórdão. O relator desembargador do TJ-MG, Wander Marotta, finaliza a sentença, determinando que a situação fosse “revertida para evitar maiores danos a todos os envolvidos”.
O bebê voltou para a casa da mãe, que mora em um bairro humilde de Barbacena. Passados mais de quatro anos, tornou-se um garoto bonito e saudável, do tipo que dá trabalho dobrado para G. “Se já criei cinco filhos, por que não iria criar seis? Não tenho luxo, mas nunca deixei faltar nada para eles. Meu filho é falador, bagunceiro e muito carinhoso, principalmente comigo. Ele fica repetindo toda hora para mim: ‘Mãe, eu te amo!’”, conta a mãe, orgulhosa.
O procedimento irregular provocou um trauma também para a família candidata a adotar o bebê. Depois de cuidar do bebê por cinco meses, o pai adotivo entrou em desespero quando a criança teve de ser devolvida à família biológica, por ordem do T J. “No nosso caso, a Justiça errou desde o início ao não avisar sobre a situação real do bebê”, critica o rapaz. Ele e a esposa receberam depois outro bebê.
Família ainda espera justiça
Outro caso denunciado é o do menino A. L., que deve estar agora com 4 anos e foi encaminhado para adoção a terceiros, apesar de ser alvo de disputa na família extensa para decidir quem iria ficar com ele. Moradores de Barbacena, os tios Olímpio Coelho dos Santos, de 57 anos, e Sebastiana Isabel de Oliveira, além de uma prima (que prefere o anonimato) tentaram obter na Justiça a guarda do menino.
Apesar da insistência, ninguém da família de origem – que deveria ter prioridade na adoção, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente - conseguiu ficar com o bebê. “Já vai inteirar dois anos (o processo) e o juiz não dá nenhuma satisfação. O termo dele é que está em segredo de Justiça, fechado a sete chaves e só ele tem o segredo”, denuncia Olímpio, que é funcionário público aposentado e tem condições financeiras para assumir a guarda do garotinho. A mulher dele, que não quer ser identificada, chegou a conduzir por conta própria, uma investigação na cidade, para tentar descobrir o paradeiro da criança. “Combinei com meu marido que iria colocar o menino como dependente no plano de saúde e também conversei na escola onde meus filhos estudaram para fazer a matrícula”, diz.
“Imagino que o neném já deve ter criado laços com a nova família adotiva e, se for para ele sofrer, não o quero de volta. Só quero Justiça”, afirma a tia. “Tentei falar com o juiz Gamonal, mas ele disse que tia não é parente e que não conseguiria o menino nem que entrasse na fila da adoção”, completa Sebastiana.
Perguntado sobre o caso, Gamonal se defende, dizendo que os pais de A.L estiveram no Juizado da Infância e da Juventude para entregar a criança e ainda pediram que o bebê fosse entregue a uma família de fora de Barbacena: “Estou há 20 anos em Barbacena e, se eu ficar mais 200, nunca vai ter nenhum problema de desonestidade, de abuso. Todos esses casos eu sei de cabeça nome de pai, de mãe, de criança. Não vou falar porque é segredo de Justiça. Se estiver sendo acusado formalmente pela comissão, pelo CNJ, pela corregedoria, esses casos serão abertos e eles vão verificar o que aconteceu”.
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