12/12/20 por Paulo Eduardo Dias
Cinco meses antes de matar artista na Vila Madalena, Ernest Decco atirou em um homem em suposta troca de tiros. Ele também esteve em outro caso em que uma pessoa morreu; ambas ocorrências ainda estão em fase de investigação
O sargento da Polícia Militar Ernest Decco Granaro, 34 anos, preso em flagrante pela morte do artista plástico e montador de palcos Wellington Copido Benfati, conhecido como NegoVila, 40, consta como averiguado (autor e vítima no processo) em ao menos outros dois casos que resultaram na morte de dois homens na capital paulista. Ele está há 12 anos nas fileiras da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Diferente do assassinato de NegoVila, que ocorreu após uma discussão em um bar na Vila Madalena, zona oeste, na madrugada do dia 28 de novembro, em que o PM Decco estava de folga, a morte das outras duas pessoas se deu quando ele estava a serviço do Estado, fardado e com uma arma da corporação. Na morte de NegoVila, o PM alega que apenas se defendeu após ter sido agredido.
A reportagem teve acesso a dois processos que tramitam na Justiça, ainda em fase de inquérito policial, ou seja, sem que Decco tenha sido denunciado seja como culpado ou não. As ocorrências em que o agente de segurança se envolveu e que terminaram com o suspeito morto ocorreram em junho deste ano e em outubro de 2019. Ambas na zona leste da capital paulista.
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Na mais recente, segundo o Boletim de Ocorrência, o sargento Decco, na companhia de outros três PMs, todos à época na 3ª Companhia do 19° BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), rumaram para uma favela localizada na Avenida Doutor Frederico Martins da Costa, altura do número 700, após denúncia anônima de tráfico de drogas. Por volta das 13h40, os PMs teriam ingressado pela Viela Ceará, na Favela Madalena.
Pela versão apresentada pelos militares à Polícia Civil, durante a vistoria no local se depararam com três imóveis com a descrição parecida com a fornecida pelo denunciante. Após breve vistoria em dois dos imóveis e sem nada encontrar, partiram para a terceira residência, momento em que se “depararam com um indivíduo sentado a porta, o qual ao ver a aproximação policial adentrou rapidamente para o seu interior e passou a fazer disparos de arma de fogo contra a guarnição”.
O documento oficial cita que, o suposto traficante deu três tiros contra a equipe policial, sendo que “um deles atingiu o colete do sargento Decco, mas não transfixou”. O sargento então contou “que ao receber o disparo na região do hemitórax, caiu no solo, mas mesmo assim, conseguiu revidar fazendo dois disparos que atingiram o agressor”. Outro trecho pontua que o cabo Juliano Luis Azevedo, que vinha logo atrás, efetuou um disparo contra o homem, posteriormente identificado como Clóvis Francisco Moreira Souza, 39 anos.
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Atingido por três disparos, sendo um no rosto e dois no tórax, Souza foi socorrido até o Pronto Socorro Sapopemba, onde chegou morto. Pela versão dos policiais, o suposto traficante estava em posse de um revólver Taurus, calibre 38, com três cartuchos deflagrados.
Na residência em que Souza foi baleado, a perícia encontrou porções de maconha e cocaína e tubos de lança-perfume, além de materiais utilizados para embalar drogas. Havia ainda um montante de R$ 24 e 250 bolívares, moeda da Venezuela. Souza possuía dois antecedentes criminais, um por roubo e outro por tráfico de drogas. O caso é investigado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa).
Nove meses antes da morte de Souza, o sargento Ernest Decco Granaro patrulhava as ruas do Tatuapé, também na zona leste, a bordo de uma viatura da 1° Companhia do 8° Batalhão Metropolitano. Ao seu lado, conduzindo o carro policial M-08110 estava o cabo PM Fernando de Siqueira Nolasio. Por volta das 3h do dia 16 de outubro de 2019, via rádio, receberam a informação que dois homens em uma moto estavam praticando roubos na região da Radial Leste, nas proximidades do Shopping Tatuapé.
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Segundo a versão dos PMs, eles encontraram os suspeitos na Rua Melo Freire, exatamente na alça de acesso da Avenida Salim Farah Maluf para a Radial Leste. De acordo com trecho do depoimento dos agentes de segurança, “ao realizarem abordagem, o ‘garupa’ desembarcou da moto com uma arma em punho e realizou dois disparos em direção aos milicianos, os quais revidaram em legítima reação à agressão injusta”.
O homem que conduzia a moto fugiu, já o baleado foi identificado como Ederson Silva da Cunha, 27. Junto a Cunha, foi localizado um alvará de soltura em seu nome, uma carteira e um relógio, além de um revólver Taurus, calibre 38, com dois disparos deflagrados.
Baleado por um disparo de fuzil 5.56 mm pelo sargento Decco e por um tiro de .40 disparado pelo cabo Nolasio, Cunha foi socorrido ao Pronto Socorro Tatuapé, onde chegou morto. De acordo com perícia, o suspeito apresentava três ferimentos perfuro contundentes: pouco acima do mamilo direito, o segundo, na região torácica, altura das costelas, um pouco abaixo da axila direita, e o terceiro, no dorso, na altura da espinha dorsal.
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Outro trecho do documento elaborado pela Polícia Civil aponta que Cunha foi reconhecido por uma das vítimas de roubo. “Estiveram nesta unidade policial e a vítima reconheceu, através de uma foto tirada pelo sargento PM Decco, que o indivíduo de nome Ederson, era o homem que apontou uma arma para sua cabeça, subtraindo seus pertences”.
Ao ser morto, Ederson Silva da Cunha estava somente há uma semana em liberdade. Ele havia saído da cadeia em 9 de outubro, após ter cumprido pena por roubo e tráfico de drogas. O caso segue na fase de inquérito policial, com investigação tocada também pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa).
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Para Marisa Feffermann, coordenadora da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, o correto seria que policiais como Decco fossem afastados quando matassem alguém, mesmo no trabalho. “Qualquer pessoa que mata outra pessoa precisa ser afastada para receber tratamento psicológico, mesmo não sendo ela policial. É necessário preservar a saúde mental. Se não afastar, ela começa a achar a morte banal”, diz.
“A Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio vai entregar, na próxima segunda-feira (14), um projeto ao Ministerio Publico que visa o afastamento do policial que se envolva em mortes“, continua. “Além do afastamento, que o projeto requer que o PM perca o direito de andar com a arma da corporação e seja monitorado pela Promotoria”, explica Marisa.
NegoVila
Se as investigações da morte dos dois homens em suposto confrontos seguem em banho maria, o mesmo não pode se dizer das apurações que decorrem sobre o assassinato de Wellington Copido Benfati, o NegoVila, como era conhecido devido sua proximidade com o bairro da Vila Madalena, onde nasceu, cresceu e acabou sendo morto pelo PM Decco.
Segundo a versão das testemunhas, após uma briga generalizada na distribuidora de bebidas Royal, no cruzamento das ruas Deputado Lacerda Franco e Inácio Pereira da Rocha, o PM Decco teria atirado para cima, momento em que Nego Vila se assustou e caiu. Mesmo caído e sem esboçar reação, o sargento de folga foi até seu encontro e teria efetuado um disparo na altura do tórax do artista plástico. Conduzido ao Pronto Socorro da Lapa, também na zona oeste, ele não resistiu aos ferimentos.
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O rapidez da Polícia Civil no caso fez com que Ernest Decco fosse preso em flagrante. Menos de 20 dias da morte, e o promotor Rogério Leão Zagallo já ofereceu denúncia por homicídio qualificado e resistência. O segundo crime é em virtude do sargento ter resistido a voz de prisão dada por um policial e uma policial feminina minutos depois dos disparos por ele efetuado.
O promotor Zagallo, do 5° Tribunal do Júri da Capital, também se mostrou contrário ao segredo de Justiça requerido pela defesa do sargento Decco. O Poder Judiciário negou o pedido para que o processo ocorra em sigilo.
Procuradas, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) e a Polícia Militar não se pronunciaram. A defesa de Decco também não respondeu os questionamentos até a publicação desta reportagem. O Tribunal de Justiça confirmou que os casos antigos envolvendo o sargento Decco ainda seguem na fase de inquérito policial.
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