Felipe Souza
- 9 fevereiro 2017
Assaltos, saques, ônibus parados e mais de cem assassinatos deixaram a população do Espírito Santo em pânico nos últimos seis dias. O cenário é de ruas praticamente desertas - e não há previsão de que essa sensação de insegurança termine tão cedo.
De um lado, estão policiais militares e bombeiros em greve para reivindicar um aumento salarial de 100% e melhorias nas condições de trabalho. Há três anos a categoria não tem nenhum reajuste e há sete não recebe um acréscimo acima da inflação.
Na outra ponta, um governo estadual afirmando que passa por uma grave crise financeira e não tem condições de oferecer reajustes, ao mesmo tempo em que exige que os militares voltem ao trabalho como condição para iniciar as negociações.
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E no meio desse impasse, uma população com medo de sair de casa e sem serviços essenciais, como transporte público, hospitais e escolas. Tudo parado pela falta de segurança.
Moradores ouvidos pela BBC Brasil relataram que as ruas estão vazias e a maior parte do comércio, fechada.
O empresário Deivid Bitti, dono de uma empresa de tecnologia da informação em Vila Velha, na Grande Vitória, pediu que seus funcionários não fossem trabalhar até a situação se normalizar.
"O transporte público parou e não podemos exigir presença de funcionários enquanto existir essa insegurança", afirmou Bitti, antes de falar sobre o impacto financeiro dessa crise. "Como prestamos serviço para outros Estados, tivemos prejuízo e tivemos muitos transtornos."
Na manhã desta quinta, o presidente do Sindicato dos Rodoviários de Guarapari (Sintrovig), Walace Belmiro Fernaziari, foi morto a tiros dentro de seu carro em Vila Velha. Ele seguia para a garagem de ônibus onde trabalhava.
Pressão política
Em meio ao clima de medo nas ruas, a crise ganhou contornos políticos com a mobilização de deputados, secretários e uma senadora, que tentam fazer uma ponte entre o governo e os grevistas.
Mas a classe política também se divide em relação ao diálogo e à continuidade da greve.
A senadora Rose de Freitas (PMDB-ES) é contrária à exigência do governador em exercício, César Colnago (PSDB), de que a greve se encerre para que as negociações tenham início.
"Essa forma irredutível do governo gerou um impacto com consequências terríveis. A polícia precisa manter sim parte do contingente e atender a população. Mas (a forma) como o secretário da Segurança e o governo vem tratando tudo isso tem sido um desastre", afirmou à BBC Brasil.
Ela diz achar difícil que os policiais recebam um aumento salarial devido à crise financeira do Estado, mas exige que a gestão ao menos ofereça outros benefícios.
"Eles não têm vale-transporte nem vale-refeição, e isso é um absurdo. Essa negociação tem acontecer logo porque os prejuízos são irreparáveis e intransigência do Estado não leva a lugar nenhum", disse Freitas.
Já o deputado estadual Gilsinho Lopes (PR) diz estar do lado dos policiais, mas defende que eles encerrem a greve antes de conversar com o governo.
"Queremos discutir com o governo, mas o comando precisa parar (a greve). Aqui estamos em crise, mas pagamos os salários em dia. Se derem esse aumento que estão pedindo para todas as categorias, o que acontece com os cofres do Estado? Não podemos garantir isso", afirmou à BBC Brasil.
Segundo ele, as mulheres dos grevistas, que tentam negociar com o governo, estão confusas em relação às reivindicações.
"Umas querem 42% de aumento, outras 100% e uma parte só quer entregar carta para o secretário. Uma bagunça. Alguém tem que ceder, e o governador disse que não vai conversar com quem estiver paralisado."
Cenário de caos
Nos últimos dias, assaltantes aproveitaram a fragilidade do policiamento.
Durante a madrugada, bandidos roubaram carros e usaram esses veículos para arrombar e furtar lojas de eletrônicos, joias e brinquedos. A estimativa do comércio é de um prejuízo de mais de R$ 90 milhões.
Em Colatina, a 120 km da capital, um policial civil foi morto ao tentar impedir o roubo de uma moto.
A Força Nacional e o Exército foram enviados para o Espírito Santo, mas moradores e policiais ouvidos pela BBC Brasil disseram que o policiamento é frágil, uma vez que eles não conhecem as regiões que têm os maiores índices de criminalidade e não vasculham as pequenas ruas dos bairros mais afastados.
Na esteira da greve dos militares, os policiais civis também paralisaram parcialmente suas atividades nos últimos dois dias - o que deve continuar nesta sexta.
O delegado e presidente do sindicato da categoria no Estado, Rodolfo Laterza, diz que a situação em Vitória é de colapso e temer que se agrave ainda mais.
"Suspendemos nossas atividades como os PMs porque não há segurança. E tudo pode piorar. Há risco de invasões, uma delegacia foi metralhada e um delegado quase foi atingido por um disparo", afirmou.
Para o sindicalista, a única saída para acabar com a greve é o governo aceitar fazer rodadas de negociações e acatar, ao menos em parte, os pedidos dos policiais.
Segundo ele, os baixos salários levam os policiais a fazer "bicos" para complementar a renda.
Laterza afirma que há delegacias com falta de equipamentos e estrutura precária. Duas delas foram fechadas no último mês: a de Crimes Contra a Vida e a de Entorpecentes.
Segundo o sindicato, a falta de policiais ainda gera um acúmulo de processos - algumas unidades funcionariam com apenas um policial e um delegado.
População dividida
A greve dos agentes de segurança divide a opinião dos capixabas.
Embora parte apoie a luta pelos direitos, uma grande fatia da população é contrária à paralisação por causa da alta na criminalidade ocorrida nos últimos dias.
Descontente, um grupo de pessoas foi às portas de batalhões de Vitória para exigir o retorno dos policiais ao trabalho. Durante a confusão, foram feitas barricadas de fogo com pneus e pedaços de madeira. Houve registros de confrontos entre os manifestantes.
As barricadas só foram desfeitas após a intervenção do Exército e da Força Nacional, que mandaram 1,2 mil agentes de segurança para o Estado após pedido da gestão estadual.
O governo do Espírito Santo foi procurado pela BBC Brasil para comentar a crise, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.
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