COTIDIANO
50 ANOS DO GOLPE DE 1964
Polícia trata cidadão como potencial inimigo, como na ditadura, diz coronel
Fabiana Maranhão
Do UOL, em São Paulo
Do UOL, em São Paulo
As polícias, em especial a Polícia Militar, tratam atualmente parte da população brasileira como um potencial inimigo, assim como acontecia nos anos em que vigorou a ditadura militar no país (1964-1985). A avaliação foi feita pelo tenente-coronel reformado da PM de São Paulo Adilson Paes de Souza em entrevista ao UOL. Leia a entrevista na íntegra.
"Eu creio que determinadas pessoas, com determinado histórico de vida, que vivem em determinadas regiões, onde o índice de criminalidade é alto, são tidas como potenciais inimigos da sociedade. Existe a lógica do conflito, do confronto", analisa o policial que criticou a violência policial em seu livro "O Guardião da Cidade".
A publicação é fruto de um mestrado que ele fez na USP (Universidade de São Paulo). Poucos anos antes de se aposentar, ele decidiu estudar o tema que o incomodou durante os 30 anos em que esteve na corporação. "Eu queria saber por que a PM apresentava índices altos de violência em comparação com todas as polícias do mundo. Por que números elevados?", se questionava.
O livro traz o depoimento de quatro ex-PMs que foram presos por homicídio, cumpriram pena e foram expulsos da corporação. Em comum, eles têm o discurso de que "bandido bom é bandido morto".
"Um deles falou: trabalhar na rua é estar em um campo de batalha, e em um campo de batalha você trabalha com a questão do inimigo. Não peça para eu interceder pela vida do inimigo. Ou eu o elimino ou ele me elimina", relata o tenente-coronel.
Paes de Souza explica que durante o regime ditatorial, o Estado considerava como "inimigo" os "subversivos, terroristas e militantes de esquerda, que deviam ser combatidos e até mesmo eliminados".
"Com a dita redemocratização do país, o inimigo passou, não é mais o subversivo, passou a ser determinadas pessoas de determinadas classes sociais que habitam determinadas regiões do país ou determinadas regiões das grandes metrópoles. Houve essa transferência do inimigo interno", avalia.
"Com a dita redemocratização do país, o inimigo passou, não é mais o subversivo, passou a ser determinadas pessoas de determinadas classes sociais que habitam determinadas regiões do país ou determinadas regiões das grandes metrópoles. Houve essa transferência do inimigo interno", avalia.
Violência policial
O reflexo dessa visão de que o cidadão é um potencial inimigo do Estado está nas ruas. A polícia brasileira é uma das que mais matam no mundo e cenas de violência policial se repetem a cada manifestação popular.
Em dez anos, entre 2003 e 2012, ao menos 18 mil pessoas foram mortas pelas olícias em todo o país, segundo pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Mas esse número certamente é maior já que nem todas as secretarias de segurança forneceram dados sobre a letalidade policial em seus Estados ao longo desse tempo.
"Em uma breve comparação com dados internacionais, verificamos que as polícias brasileiras matam mais do que a de países com índices de criminalidade similares, ou até piores que o brasileiro, como é o caso de México, África do Sul e Venezuela", analisam pesquisadores do fórum.
Entre junho e dezembro do ano passado, cerca de 1.700 pessoas foram detidas em manifestações no país. De junho de 2013 até o começo de abril, em torno de 20 morreram durante protestos, de acordo com levantamento realizado pela ONG Justiça Global. Segundo a mesma entidade, nenhum policial foi responsabilizado por possíveis abusos nesse período.
Heranças da ditadura militar
Essa violência policial observada nos dias de hoje é herança do regime militar, na opinião do tenente-coronel Adilson Paes de Souza. Segundo ele, o sistema de segurança pública atual "é o mesmo da ditadura", que ainda se guia pelo que preconiza a doutrina de Segurança Nacional. Surgida nos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria, a doutrina segue a lógica de que há sempre um inimigo e que ele deve ser combatido para proteger a sociedade.
"A doutrina de Segurança Nacional foi implantada para dar suporte ao regime militar, sobreviveu ao dito processo de redemocratização, e está presente até hoje.[...] O discurso de que 'bandido bom é bandido morto' é um eco da doutrina de Segurança Nacional", afirma.
Outro "legado" deixado pelo regime ditatorial, na visão do tenente-coronel, são os chamados 'autos de resistência' ou 'resistência seguida de morte'. O dispositivo livra o policial de ser preso em flagrante por homicídio em caso de morte durante ação policial. Criado pelo então Estado da Guanabara em 1969, o 'auto de
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