Uma testemunha que prestou depoimento ontem a promotores que atuam junto à Auditoria de Justiça Militar desmentiu a versão relatada por policiais sobre a morte do garçom Rodrigo Serrano, de 26 anos, segunda-feira à noite, no Chapéu Mangueira, no Leme, Zona Sul do Rio. O homem, morador da favela, viu o momento em que Rodrigo foi atingido e, segundo ele, não houve confronto entre traficantes e policiais no local, apenas uma rajada de tiros foi disparada por um dos policiais em direção à vítima. Outros moradores afirmam que os PMs teriam confundido o guarda-chuva que o garçom carregava com um fuzil.
No depoimento, o homem também conta que oito policiais da UPP Babilônia/Chapéu Mangueira participaram da ação, mas somente um agente atirou. No momento do disparo, de acordo com o depoimento, Rodrigo estava de pé e segurava uma cesta de madeira com frutas. O guarda-chuva estava preso entre suas pernas. O morador recolheu três estojos que saíram da arma do policial e levou ao Ministério Público. Um dos projéteis atingiu uma van estacionada ao lado da vítima, onde frutas eram vendidas. Além de Rodrigo, um jovem de 21 anos foi atingido de raspão na barriga. O guarda-chuva sujo de sangue também foi apreendido. Após o garçom ser baleado, os próprios policiais o levaram para o Hospital Miguel Couto, onde já chegou morto.
O depoimento da testemunha faz parte do Inquérito Policial-Militar aberto pela Corregedoria da PM para investigar o caso. Além do morador da favela, a viúva de Rodrigo e o policial que fez o disparo também prestaram depoimentos, respectivamente ao MP e à Corregedoria.
Outro inquérito foi aberto pela Polícia Civil e vai ficar a cargo da Delegacia de Homicídios (DH). Na noite do crime, os policiais que participaram da ação prestaram depoimento na 12ª DP (Copacabana). Todos afirmaram que foram atacados a tiros enquanto avançavam pela favela e um dos agentes teria revidado. Como só os agentes foram ouvidos na delegacia, o caso foi registrado como homicídio decorrente de intervenção policial. O fuzil do policial foi apreendido.
Garçom deixou dois filhos pequenos
“Foram três tiros: dois na perna e um na barriga. Eles atiraram para matar. Depois, viram que erraram”, afirmou Thayssa Freitas, esposa de Rodrigo, ao sair da Assembleia Legislativa, onde foi atendida na Comissão de Direitos Humanos. Quando seu marido foi atingido, ela estava com os dois filhos, um de 4 anos e outro de dez meses, dentro de uma Kombi subindo a favela. Ela e Rodrigo haviam saído para fazer compras e estavam voltando para casa. Como a Kombi estava cheia, o garçom optou por subir a favela a pé.
— Ele estava trabalhando há três meses num restaurante em Ipanema. No dia em que ele foi morto, ele foi trabalhar. Saiu do trabalho às 17h e foi para casa. Tomou um banho e saímos. Por conta de uma polícia mal preparada, agora, ele não vai poder ver os filhos crescerem, o que era um sonho para ele — disse Thayssa.
No momento em que foi baleado, Rodrigo estava com a carteira de trabalho no bolso. O documento ficou manchado de sangue. O contrato mais recente foi assinado no dia 15 de julho, quando ele passou a trabalhar como garçom no restaurante em Ipanema.
Rodrigo foi condenado a sete anos de prisão por um roubo à mão armada cometido na Barra da Tijuca, em 2014, e estava em liberdade condicional desde 2016. De acordo com a família, o garçom estava cumprindo a pena e comparecia mensalmente em juízo. Ele também respondia a um processo por tráfico.
Com o guarda-chuva que Rodrigo carregava quando foi baleado, 50 moradores dos morros Chapéu Mangueira e Babilônia, no Leme, na Zona Sul, saíram em passeata na manhã de ontem pelas ruas do bairro. Valéria Assis da Silva, mãe de Rodrigo, disse, durante o protesto, que Rodrigo estava feliz porque finalmente havia conseguiu um emprego depois que foi preso.
— O meu filho era uma pessoa boa. Ele teve os erros dele, sim, mas pagou e estava livre. A última coisa que o meu filho me disse, nesta semana, quando eu estive aqui, foi: ‘Mãe, estou realizado. Eu consegui um emprego, estou de carteira assinada e vou fazer a festa para o meu filho. Estou feliz’. Foi a última coisa que ele me disse naquele dia que eu estive aqui. Eu não perdoo quem fez isso ao meu filho — desabafou ela.
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