Esquadrões da Morte em Belo Horizonte (?Cravo Vermelho? e ?Bombril?) [III]

Artigos da Folha de São Paulo sobre os esquadrões da morte em Belo Horizonte: período de 1982 a 1986.

BELO HORIZONTE ? Há possibilidades de vir a ser identificada, pela primeira vez após mais de cem morte, uma das vítimas do ?Cravo Vermelho? ? o ?Esquadrão da Morte? mineiro ? porque a mão direita de um dos cadáveres encontrados anteontem, carbonizados, não chegou a ser destruída, facilitando os exame de impressão digital, informou o delegado de Homicídios desta capital, Antônio Braúna.
         Além desta, a Polícia conta com outra pista, um nome escrito a caneta, em letra de forma, Cláudio Ferreira, no que sobrou da calça de um deles. A cerda de um metro dos cadáveres, seguro por duas pedras, havia um bilhete em papel de pacote de cigarros: ?Estupradores, traficantes, assaltantes, feliz 1982, C.V.?. Os cadáveres foram encontrados por um trabalhador, por volta das 6 horas no local denominado Enseada das Garças, próximo à torre da Base Aérea da Pampulha.
CEM VÍTIMAS
         As execuções de bandidos não eram feitas há algum tempo em Minas, mas reapareceram em outubro, com o encontro de dois cadáveres, com um bilhete do ?Cravo Vermelho?, responsabilizando-se pelos crimes. As vítimas já são mais de cem e cerca de 40 são atribuídas ao ?Cravo Vermelho? e ?Bom Bril?, outro grupo de extermínio.
         Nenhuma das vítimas até hoje foi identificada. Os dois corpos de anteontem foram deixados um sobre o outro, em forma de cruz, e a mão, parcialmente intacta, como também o pedaço de calça cm o nome escrito, pertencem ao cadáver de cima. O de baixo está irreconhecível, sem qualquer chance de ser identificado.
         O secretário de Segurança Pública, cel. Armando Amaral, disse que vê com ?repugnância esses crimes que são praticadas com requintes de perversidade e que não deixam pista para que possa ser apurados?. (Folha de São Paulo, 17.01.1982, Exterior, p.5)

BELO HORIZONTE ? Os grupos de extermínio autodenominados ?Cravo Vermelho? e ?BomBril?, que atuam na Grande Belo Horizonte, sob o pretexto de fazer justiça ?com as próprias mãos?, voltaram a fazer vítimas neste último final de semana na capital mineira. Em um terreno baldio localizado na avenida Hugo Werneck, bairro Tupi, na periferia de Belo Horizonte, três corpos foram descobertos na manhã de sábado, todos executados com tiros na cabeça.
         Com as três novas vítimas do esquadrão da morte mineiro, chega a perto de 200 o número de pessoas executadas desde que os dois grupos passaram a atuar mais abertamente desde 1980, sem que os responsáveis sejam punidos. Na manhã de sábado a polícia, logo após realizar os primeiros levantamentos no local onde os corpos foram encontrados, informou que, de momento, não havia uma pista sequer para chegar aos criminosos. Num bolso de uma das vítimas os peritos encontraram uma bucha de esponja de ação que caracteriza a ação do grupo de extermínio.
         O vigia Clóvis Fernandes, que encontrou os três corpos, não forneceu maiores esclarecimentos. As vítimas do esquadrão vestiam roupas de boa qualidade e um dos cadáveres trazia a tatuagem de um leão no braço direito.
DESDE 1980
         O esquadrão da morte mineiro começou a atuar em 1980 com avisos a redações de jornais e rádios da Capital a respeito da formação de um grupo de extermínio de supostosmarginais autodenominado ?Cravo Vermelho?. Somente naquele ano mais de 130 pessoas foram executadas pelo grupo sob o pretexto de ?limpar a cidade?, mas nenhum crime foi elucidado pela polícia.
         Apesar de o secretário de Segurança de Minas, coronel Armando Amaral, declarar, publicamente, que não admite execuções, mais cadáveres continuam a aparecer ao longo de 1981. Apenas os assassinos mudaram de tática, pois passaram ?a queimar as vítimas com intuito de dificultar a sua identificação?. (Folha de São Paulo, 29.03.1982, Primeiro Caderno, p. 10)

BELO HORIZONTE (Sucursal) ? O delegado substituto de Homicídios, Transvall José Bonfim, instaurou inquérito, ontem, para apurar a morte de Renato Luís Alves, de 28 anos, que na semana passada estuprou sua cunhada, a menos S. M. S., de nove anos, e que foi encontrado morto com 25 tiros de calibre 38 e 45. Ao lado de seu corpo, foram encontrados num saco plástico duas buchas de palha de ação, dois botões de rosa e um bilhete com os dizeres: ?Não estupro mais menores?.
         A execução de Renato foi semelhante à de José Luiz Botaro, que era um dos implicados no estupro e estrangulamento da menor V.G.V., de 10 anos. Essas duas execuções recentes identificam o método usado pelo ?Cravo Vermelho?, entidade que já assumiu a autoria de mais de cem mortes ocorridas a partir de 1979. Os corpos das vítimas eram encontrados na periferia de Belo Horizonte e até agora nada se apurou a respeito.
         Renato Luís Alves, foi alvejado de frente no tórax, pescoço, cabeça, braços e boca. Era magro, de cabelos crespos usava uma bermuda de jeans azul e uma camisa cinza de malha, ?com furinhos?, segundo informou o delegado Transvall Bonfim. Disse o delegado que o estupro da menor S. M. S., foi em casa de Renato, à avenida FreiAndreoni, 218, no bairro Salgado Filho, em Belo Horizonte, Ele aproveitou o momento que sua mulher, Maria da Penha Figueiredo Souza, grávida de cinco meses, saiu, para estuprar a cunhada. (Folha de São Paulo, 12.02.1983, Primeiro Seção, p. 12)

Belo Horizonte
Em menos de vinte e quatro horas os corpos de dois acusados de praticar estupros contra menores ? uma das quais veio a morrer em decorrência da violência da curra ? foram encontrados crivados de balas e com mutilações variadas. Sobre os mortes foram deixadas rosas vermelhas, e no que restou de duas mãos, pedações de buchas de palha de aço. Essa macabras lembranças equivalem à assinatura do grupo de extermínio que atuou intensamente na região da capital mineira, entre os anos de 1979 e 1981, deixando um rastro de sangue representado por mais de cem mortes.
         A atuação dessa versão mineira do terrível Esquadrão da Morte havia suspendido a prática de fazer justiça com as próprias mãos, depois de perceber o clamor que provocava na opinião pública contra esse tipo de ação. De nada adiantou a voz isolada de um deputado, por sinal derrotado no último pleito, levantada em defesa do grupo de extermínio. A repulsa popular fez com que essa atividade fosse suspensa. E as investigações das autoridades no sentido de esclarecer a autoria de número tão elevado de mortes não chegaram a qualquer conclusão.
         Depois de quase dois anos de trégua ? justo quando se aproxima o instante em que se concretizará a alternância no mando estadual com a posse do governador eleito, Tancredo Neves -, o grupo de extermínio volta a atuar.
         Dessa vez, entretanto, evidência alguma preocupação e desenvolve uma espécie de  estratégia voltada para um ?marketing? sangrento, pois os fuzilados estava envolvidos em crimes de estupro que, pela própria violência e por terem como vítimas menores de dez e nove anos de idade, respectivamente, encontraram forte reação da opinião pública.
         Não falou até quem, usando alguns dos meios de comunicação de massa existentes em Belo Horizonte, não apenas aplaudisse os extermínios, como também incentivasse a continuidade dessa atuação absolutamente ilegal, e sob toda a forma injustificável, pois cabe à Justiça, e exclusivamente a ela, a aplicação da lei.
         Espera-se que as autoridades que ainda detêm o poder, e nele permanecerão até o dia 15 de março próximo, determinem rápida investigação desses dois casos de fuzilamento identificando e punindo os responsáveis, de forma a coibir a prática dessa espécie odiosa de ?olho por olho?.
         Uma vez que a administração que sai entregará à sua sucessora uma tarefa administrativa ?triste e trágica?, como salientou o próprio govenador eleito, Tancredo Neves, espera-se ao menos que entre tantas mazelas não se transfira também essa versão mineira do Esquadrão da Morte. O. L. (Folha de São Paulo, 15.02.1983, Primeiro Caderno, Editorial, p. 02)

Da Sucursal de Belo Horizonte
O secretário de Segurança de Minas Gerais, Crispim Jacques Bias Fortes, admitiu ontem a possibilidade de existir uma conexão entre os ?Esquadrões da Morte? que atuam em Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, ao comentar a execução sumária de um rapaz cujo corpo foi encontrado carbonizado no início da manhã na periferia da capital mineira.
         O corpo do rapaz, aparentando ter entre 20 e 5 anos, foi localizado por populares na estrada que dá acesso à Pedreira da Mende Júnior, no bairro Alvorada. De um lado do cadáver havia uma bucha de ?bombril? e de outro um ?cravo vermelho?, sinal que identificava as duas organizações responsáveis por mais de 150 mortes em circunstância semelhantes nos últimos quatro anos em Belo Horizonte.
         O corpo estava ao lado, também, de um pequeno embrulho de maconha onde havia um bilhete com os seguintes dizeres: ?Decisão. Não estupro mais crianças. Cravo abandona mais um Voltarei. Cravo e Bombril?. A vítima possuía duas tatuagens, um coração desenhado no braço direito com a letra ?S? dentro e uma águia desenhada no peito. Os dedos das mãos foram queimados para dificultar a sua identificação.
         Segundo o Instituto Médico Legal, o laudo pericial da vítima só deverá ser concluído em quinze dias e a identificação só será possível através da arcada dentária. O chefe da Divisão de Crimes Contra a Vida, delegado Benigno Augusto da Costa, lembrou que este foi o quarto corpo encontrado na periferia nos últimos cinco meses, em situação semelhante, mas o primeiro com uma flor ao lado.
         Embora tenha admitido a possibilidade de conexão dos esquadrões mineiro, paulista e carioca, o secretário classificou como ?uma simples coincidência? este caso de execução com o assassinato do jornalista Mário Eugênio Rafael de Oliveira, em Brasília, que há vários anos denunciava a atuação dessas organizações clandestinas. (Folha de São Paulo, 14.11.1984, Primeiro Caderno, p. 19)

Da Sucursal de Belo Horizonte
O chefe da Divisão de Crimes Contra a Vida, delegado Benigno Augusto da Costa, admitiu a existência de ?grupos de elementos desgarrados que fazem justiça com as próprias mãos?, mas disse que ainda não tem pista para descobrir os responsáveis pela morte de um rapaz cujo corpo foi encontrado carbonizado anteontem na periferia de Belo Horizonte, possivelmente executado pelo esquadrão da morte.
         O delegado disse que a colocação de uma esponja de aço e de um cravo vermelho ao lado do corpo do rapaz, sinais que caracterizam a atuação do esquadrão, pode ter sido premeditada para desvirtuar a investigação. Os grupos de extermínio ?Cravo Vermelho? e ?Bom-Bril? já assumiram a morte de mais de 50 pessoas nos últimos quatro anos em Belo Horizonte e nenhum delas foi apurada.
Benigno Augusto da Costa lembrou que até hoje não está esclarecida a morte do almoxarife José Luiz Botaro, de 18 anos, o ?Caveira?, cujo corpo foi encontrado com mais de quarenta perfurações a bala no início do ano passado, na periferia, horas depois de presta depoimento na Delegacia de Homicídios e negar o estupro e morte da menor Vânia Gomez Vinhal, de dez anos.
         O corpo de Botaro, visivelmente mutilado, a exemplo do que ocorreu com esta última vítima do esquadrão, foi localizado perto da casa de Vânia, no bairro Aparecida. Tinha o olho direito vazado, os dedos das mãos destruídos, e o órgão genital estourado a tiros e ao lado do cadáver um bilhete denunciava: ?O cravo voltou feliz?, ?Eu não estrupo [sic] mais menores?. Também ao lado do corpo do rapaz encontrado anteontem no bairro Alvorada, havia um bilhete com os dizeres ?Eu não estupro mais crianças?. (Folha de São Paulo, 15.11.1984, Primeiro Caderno, p. 22)

Da Sucursal de Belo Horizonte
?Depois da razão dos direitos humanos, o Cravo e o Bombril voltam felizes. Eu não estupro mais.? Essa advertência estava escrita numa placa de papelão encontra no final da noite de anteontem ao lado de um corpo despido de um homem com 1,70 m de altura aproximadamente, com as mãos amputadas, aparentando 35 anos, o que caracteriza o ressurgimento dos grupos de extermínio Cravo Vermelho e Bombril, versão mineira do esquadrão da morte.
         O corpo do desconhecido com a cabeça carbonizada para dificultar sua identificação, estava dentro de uma valeta de um metro de profundidade, em um matagal na estrada velha de Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte. Quem solicitou a presença da polícia no local, conforme o boletim de ocorrência, foi o militar Sérgio Luiz da Silva, 33. O cadáver foi removido para  Instituto Médico Legal e sua identificação deverá ser muito difícil.
         O secretário de Segurança, Crispim Jacques Bias Fortes, 62, evitou relacionar o crime com as recentes rebeliões ocorridas nos presídios mineiros. ?O ano passado houve um caso desse, mais isso não tem sido muito frequente. O que estamos tentando é apurar e a luta é para identificar a vítima a fim de que possamos puxar o fia da meada e chegar aos autores do crime?, disse.
         A presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Belo Horizonte, vereadora Helena Greco, 68, PT, admitiu ontem a possibilidade de haver um relacionamento entre a atuação dos grupos de extermínio e as recentes rebeliões ocorridas nos presídios. Ela disse ter recebido denúncias, sem entrar em maiores detalhes, de que  o pacto de morte entre os reclusos teria ?partido de fora? das celas.
         Os dois grupos de extermínio começaram a atuar em março de 1980, e deste então, assumiram as morte de mais 150 pessoas, cujos corpos foram encontrado em situação semelhante na periferia da Capital. Eles interromperam sua atuação depois da ampla divulgação dos assassinatos pela imprensa e uma forte pressão da opinião pública, mas nenhum caso foi apurado e as vítimas acabaram sendo sepultadas como desconhecidas.
         O chefe da Divisão de Crimes Contra a Vida, delegado Benigno Augusto da Costa, 48, disse que os policiais não conseguiram localizar as mãoes do desconhecido assassinado, achando apenas um pedaço de pano queimado que deve ter sido embebido em combustível e utilizado para a carbonização da cabeça.
         Segundo o delegado, desde que assumiu a chefia da divisão, há quase um ano, seis ou sete casos semelhantes foram registrados, todos ainda não resolvidos. Benigno da Costa não quis confirmar ? porém não os desmentiu ? os 150 casos de execução e prometeu para a próxima segunda-feira a divulgação de um levantamento a respeito. (Folha de São Paulo, 25.05.1985, Primeiro Caderno, p. 20)

Belo Horizonte
Na última quinta-feira, o juiz sumariante do 2º Tribunal do Júri de Minas Gerais, Jefferson Monteiro, revogou a prisão preventiva de quatro policiais (os agentes federais Wagner Cosme Pourchet e Tiago de Santana, além dos policiais civis mineiros Ricardo Leopoldino e Lucas de Santana) acusados de pertencer ao grupo de extermínio parapolicial Brigada Vermelha, autodenominação que só guarda semelhança com a organização homônima italiana na prática terrorista. Ideologicamente são díspares. Como no caso do esquadrão da morte carioca e outros assemelhados com atuação em Minas, por exemplo Bombril e Cravo Vermelho, a filosofia que norteia a ação deste grupos é nitidamente de extrema direita: justifica pelas próprias mãos e corrupção.
         Não foi mera coincidência que eles proliferaram durante o período da ditadura militar. São irmãos gêmeos dos paramilitares que promoveram a repressão política, filhos do arbítrio. A democracia neo-republicana tornou a repressão política obsoleta mas não reduziu a ação dos grupos de extermínio que continuam fazendo ?presuntos? impunemente pela capitais do país. A estranha decisão d juiz Monteiro em determinar a soltura destes policiais não condiz com as expectativas da sociedade que, conforme o próprio delegado encarregado das investigações, Antônio João dos Reis, ?corre agora sérios riscos; qualquer das pessoas qe se envolveram no caso pode parecer morta?.
         Pelo pouco que se apurou, dois crimes são atribuídos à ação da brigada:oassassinato do empresário mineiro Humberto Antônio Fagundes, ocorrido as margens da BR-040 (BH-Rio) no dia 14 de março e confessada pelo servidor público João Henrique Braga neto, membro do grupo e participante da ação, e o roubo de produtos agrícolas em um depósito da capital mineira, avaliados em Cz$ 100 mil, Neste episódio os brigadistas agiram sob pretexto de estar realizando uma operação policial, As vítimas, os comerciantes Jaime Gomes e Giovani Magalhães, já reconheceram o agente federalPourchet, tido como líder do grupo.
         A lista de extorsões e crimes praticados pela brigada certamente não é tão restrita, é apenas desconhecida. E com tantas evidências a Justiça tem oportunidade de agir em defesa dos direitos humanos e constitucionais, condenando o terrorismo corrputoe ilegal imiscuído em uma instituição quem tem por responsabilidade respeitar a cidadania e conter a violência, não patrociná-la. Do contrário estará incentivando os maus policiais acobertados pela impunidade. Luís André do Prado. (Folha de São Paulo, 30.06.1986, Primeiro Caderno, Editorial, p. 2)