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terça-feira, 9 de março de 2021

Encontro de ossadas não atrapalha rotina de lançamento imobiliário em SP

 15/12/19 por Caê Vasconcelos

Apenas um trecho da obra foi interditado desde que as primeiras ossadas foram encontradas, em outubro de 2019

Construção imobiliária em que seis ossadas foram encontradas continua normalmente | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

As ossadas encontradas em uma construção na Rua Abílio Soares, número 1.149, na Vila Mariana, zona sul da cidade de São Paulo, não irão atrapalhar o lançamento do empreendimento residencial Urbic Ibirapuera, que tem como lema “Tudo o que você precisa para viver: o essencial”. A construtora promete o prazo de 9 meses para finalização do projeto.

A reportagem da Ponte esteve no local neste sábado (14/12) e, sem se identificar como repórter, confirmou a informação sobre o lançamento com uma corretora da Urbic Vila Mariana. No local, será construído um prédio com torre única de 8 andares e 24 apartamentos.

O Urbic Ibirapuera já não conta com plantão de vendas, por já estar na fase inicial da construção. O local fica a 150 metros da sede do antigo Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), local em que integrantes da ditadura militar torturaram presos políticos. Hoje o 36º DP (Paraíso) funciona neste prédio.

Perguntada sobre as ossadas encontradas durante a obra, a corretora afirmou que as ossadas “só causariam interferência se fossem novas, não antigas” como as encontradas, e garantiu que quem já comprou um dos 24 apartamentos do empreendimento não precisa se preocupar, pois o prédio será lançado na data prevista, no segundo semestre de 2020.

Urbic é o nome fantasia da Uniq, única empresa investigada no inquérito policial. As empresas Top Solo Fundações e Líder são apenas citadas. A Urbic foi criada em 2018 e tem como sócios três engenheiros que já atuam no mercado há 40 anos.

A investigação das ossadas

O inquérito policial, aberto em 1º de novembro de 2019 pela Delegacia Seccional de Diadema, apura denúncia de destruição, subtração ou ocultação de cadáver. A Polícia Civil apura se o local era um cemitério clandestino usado para desova de corpos ou um algo mais antigo, “datado do tempo da escravidão, onde pobres, escravos e negros forros eram sepultados”.

Entre as ossadas encontradas, os funcionários da obra informaram à polícia, no termo de declaração, ter encontrado um crânio fragmentado, faltando um pedaço, ossos do peito e outros ossos mais compridos, lembrando um corpo desmontado. Algumas ossadas estariam perfuradas.

Os ossos foram encontrados em duas datas: 22 e 25 de outubro de 2019. Em ambos os dias, segundo a versão de um mestre de obras ouvido pela polícia, as obras continuaram normalmente, porque os funcionários teriam pensado que se tratavam de ossos de animais e por isso não avisaram as autoridades. Uma denúncia anônima investigada pela polícia, não comprovada, dá uma versão bem diferente, afirmando que a empresa sabia, sim, do encontro das ossadas e que, para não atrapalhar o andamento da obra, teria ordenada que fossem “desovadas” num aterro em Carapicuíba (Grande SP).

Osso encontrada na escavação do terreno; imagem foi anexada aos autos do processo | Foto: reprodução

O Grupo de Trabalho Interinstitucional Doi-Codi, formado por representantes de entidades como Instituto Vladimir Herzog e das universidades Unifesp, Unesp, Usp e Unicamp, além do Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça, lançou nota afirmando preocupação com o encontro das ossadas, revelado em reportagem da Ponte. A nota afirma que “a proximidade geográfica entre o local dos fatos e das dependências do Doi-Codi” colocou o grupo de trabalho em “estado de atenção” para um possível vínculo entre o encontro dessas ossadas e “sistemáticas violações de direitos perpetradas por aquele órgão entre 1969 e 1983”. O GT conclui afirmando que o fato reforça “a necessidade de converter o espaço em lugar de memória e consciência sobre os crimes cometidos pelo Estado brasileiro entre os anos de 1964 e 1985”.

Em 14 de novembro, o Ministério Público se manifestou contra a paralisação das obras, solicitada pela Polícia Civil. No inquérito policial, a Uniq alega que a polícia solicitou a paralisação “mesmo sem haver qualquer crime que possa ser imputado à requerente e sem que haja qualquer elemento concreto da existência de ossos humanos no local” e afirma que, desde 1908, o local era uma residência familiar e que, por isso, é “absolutamente improvável que uma pessoa tenha sido enterrada no local”.

Uma semana depois, em 21 de novembro, a Justiça de São Paulo solicitou que o DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) assumisse as investigações, mas, no dia 26, o departamento respondeu que a investigação não cabe a eles: “nesta Divisão de Homicídios, a qual, inclusive, não tem atribuição em investigar este tipo de crime, restringindo-se a apuração dos homicídios dolosos de autoria desconhecida ocorridos no âmbito da Capital do Estado”.

Em 5 de dezembro, a defesa da Uniq informou que achou mais um osso e que “nesses termos, requer seja imediatamente oficiado o Instituto de Criminalística para que, com urgência, retire o osso e realize perícia, permitindo, assim, a continuidade da obra”. No dia seguinte, segundo o inquérito, a ossada foi retirada do local e a obra voltou a funcionar normalmente.


1 comentário
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Evair Nunes
Como sempre o empurra-empurra das autoridades quando um problema mais complexo surge é inadmissível, ora, mesmo que o local tenha sido ma residência familiar desde 1908, quem pode afirmar que um corpo não poderia ter sido enterrado ali, é de pasmar que o MP informado da possibilidade deserem ossos humanos não tenha de imediato paralisado as obras e que o responsável pela retirada dos ossos presumivelmente humanos tenham sido desovados num aterro em Carapicuíba
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