Policiais que deveriam combater o tráfico de drogas recebiam do crime organizado até R$ 300 mil por ano, de propina. Essa é uma das conclusões da investigação que, esta semana, provocou uma crise na Polícia Civil de São Paulo.
O Fantástico teve acesso exclusivo às escutas telefônicas, que também mostraram: os acusados chegaram a sequestrar parentes dos bandidos pra conseguir mais dinheiro.
Era só de fachada a ação de um grupo de policiais do setor de narcóticos de São Paulo. A conclusão é dos promotores que combatem o crime organizado, em Campinas.
“São pessoas violentas e que deixaram de fazer aquilo que é esperado pela sociedade, que é o combate ao tráfico de drogas”, disse o promotor da Gaeco José CláudioTadeu Baglio.
A denúncia abalou a imagem de um dos setores mais importantes da Policia Civil, o Denarc, que tem a função de reprimir o tráfico no estado.
O Ministério Público apurou que havia um esquema de propina no Denarc. Os investigadores envolvidos exigiam até R$ 300 mil por ano para não prender traficantes.
Treze policiais - entre eles, dois delegados - tiveram a prisão decretada.
O Fantástico teve acesso, com exclusividade, às escutas telefônicas da investigação, que mostram a relação dos acusados com traficantes ligados a um dos bandidos mais perigosos do país: Wanderson de Lima, o Andinho.
De dentro da penitenciária de segurança máxima de Presidente Venceslau, Andinho comanda o tráfico na região de Campinas.
Andinho: Eu falo de dia aqui, até as seis, entendeu?
Codorna: Certo.
Andinho: Até as seis e meia, eu falo. Aí depois, o irmão vai lá fala das seis e meia até as dez e meia, onze horas, vamos colocar. Aí da onze horas e eu tô na linha de novo.
Andinho foi condenado pelo assassinato do prefeito de Campinas Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT, em 2001.
O bandido também participou de uma dezena de sequestros. O último foi o das irmãs Rosana e Sônia, em Americana, interior de São Paulo, em 2002.
O resgate foi dramático! As irmãs estavam amarradas no meio de um matagal. Por esse histórico de crimes, Andinho foi condenado a mais de 400 anos de prisão.
O escândalo, que veio à tona esta semana, começou quando o Grupo de Combate ao Crime Organizado, o Gaeco, estava investigando a quadrilha chefiada por Andinho.
“Em determinado momento descobriu-se que policiais do Denarc estavam vindo à Campinas , tomar dinheiro, extorquir esses traficantes que agiam sobre o comando de Andinho”, destaca o promotor.
Nas escutas telefônicas, um investigador do Denarc, segundo o Ministério Público, ameaça o traficante Agnaldo Aparecido Simão, o Codorna, apontado como gerente do bando de Andinho. O policial quer o dinheiro logo.
Policial: Eu não tenho nada a ver com os outros. Você sabe a minha pegada, você sabe como é que é. Certo? Só que você tá desacreditando
Codorna: Não é senhor, não é. É que não tenho um real mesmo, eu tô sem nada. Eu tô tentando vender tudo ali e não tô conseguindo.
Neste outro trecho, Andinho revela o quanto a quadrilha já pagou aos policiais.
“Os caras falam que estão fazendo negócio com homem e os cara tá dando bote no moleque toda hora, mano. Só do final do ano pra cá o moleque já perdeu mais de 2 milhão pros cara, mano”, disse Andinho.
E diz que agora não vai mais dar dinheiro aos investigadores do Denarc.
“Eu vou falar pra você, cara, se quiser ficar dando dinheiro pra polícia, só que meu dinheiro cê não vai ficar dando não, mano. O dinheiro que eu tinha eu dei. Aí agora tô devendo ainda. Pro cê vê, perdi meu dinheiro e ainda tô devendo, cara” disse Andinho.
A Secretaria de Administração Penitenciária informou que, em maio, apreendeu um telefone na cela de Andinho. E segundo a secretaria, quem é pego nesta situação é punido.
Pra continuar recebendo, de acordo com a investigação, os policiais chegaram a sequestrar parentes dos bandidos .
“Familiares, inclusive, menores de traficantes, dos filhos de traficantes”, destaca o promotor.
O promotor conta: o valor da propina, nesta negociação, era de R$ 200 mil.
Foi o valor que os acusados teriam exigido para libertar a mulher, a filha do casal e duas primas do traficante Codorna .
Codorna: Estou com uns problema aqui, cara, precisava de umas moeda.
Magrelo: Você tá na mão, tá com os cara, aí?
Codorna: Não, não tô sozinho não.
Magrelo: Já era véio, já entendi tudo.
O traficante Aparecido da Silva, o Codorna, foi preso durante a investigação.
No relatório do Gaeco, os policiais do Denarc respondem a mais uma acusação também grave. Duas mulheres da quadrilha que, já estão presas, por tráfico de drogas acusam três investigadores de tortura.
“Colocaram uns anel de choque em mim. Colocaram até o volume 5, mano, nossa! Precisa o que eles fizeram comigo, mano, acabaram comigo, acabaram comigo. E o baixinho me batento, mano, o chefe do bagulho. Sabe, da Denarc? O chefe da Denarc é muito ruim, amigo, me bateu demais, mano”, relata a traficante Janaína.
Os policiais denunciados pelas presas por tortura são: Daniel Bazzan, Sílvio Cesar Videira e Leonel Rodrigues Santos.
Segundo a secretaria de segurança pública de São Paulo, esses três estão foragidos. Junto com Danilo da Silva Nascimento.
Dos treze policiais que tiveram a prisão decretada, sete ainda estão no presídio da polícia
O delegado Clemente Castilhone, um dos homens importantes do Denarc, foi único que até agora saiu da prisão. O promotor afirma que ele teria vazado informações sigilosas da investigação. O advogado do delegado nega a acusação.
“A defesa entende desde o principio que essa prisão era desnecessária. Da parte dele efetivamente, não se poderia cogitar qualquer tipo de vazamento de informação, ele prestou realmente todas as informações que lhe foram solicitadas”, disse o advogado João Batista Augusto Junior.
Segundo o secretário de segurança pública, de janeiro até junho 98 policiais civis já foram demitidos por corrupção e desvio de conduta. Por causa deste escândalo no Denarc, o secretário promete mudanças.
“Daqui pra frente nós queremos que as diligências sejam previamente autorizadas, que haja uma ordem de servi;o pra se fazer um acompanhamento dos locais e das previdências, que estão sendo adotadas e agir com rigor no combate a corrupção”, disse o secretário de estado de segurança pública de SP, Fernando Grella Vieira.
“Exige uma reflexão imediata de todas as autoridades, de toda sociedade. Imagino que não é possível que isso permaneça”, destaca o promotor.