Comunidade acadêmica criticou métodos de atuação de investigadores e passou a sofrer processos
Luiz Carlos Cancellier de Olivo se suicidou após prisão
preventiva e afastamento do cargo pela Operação Ouvidos Moucos - Pipo
Quint/Agecom/UFSC/Reprodução
Rafael Tatemoto
Luiz Carlos Cancellier de Olivo cometeu suicídio em 2 de outubro de 2017, após ter sido preso e afastado de seu cargo pela Operação Ouvidos Moucos. A investigação apurava supostos desvios de verbas em cursos de ensino a distância da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), instituição da qual Cancellier era reitor.
O professor não era acusado diretamente de corrupção, mas foi detido e afastado sob a suspeita de obstrução de Justiça, ou seja, por supostamente dificultar investigações. As ações foram conduzidas pela delegada Erika Marena, que se notabilizou por sua participação na Operação Lava Jato.
O então reitor foi liberado da prisão preventiva, transmitida pelos meios de comunicação, menos de dois dias depois. Após duas semanas, cometeu suicídio em um shopping center de Florianópolis. Em seu bolso, um bilhete: “Minha morte foi decretada quando fui banido da Universidade!”.
Parte da comunidade acadêmica da UFSC passou a responsabilizar as autoridades judiciais pelo desfecho trágico. Até o momento, entretanto, ninguém foi responsabilizado. A Polícia Federal afirma que a divulgação da prisão era necessária pois a presença de viaturas chamaria a atenção da população. O relatório da PF não trouxe nenhum elemento concreto contra Cancellier.
As críticas aos métodos da Ouvidos Moucos, por outro lado, têm sido alvo de processos judiciais. Na cerimônia de entronização da foto de Cancellier como reitor, manifestantes estenderam uma faixa com imagens de autoridades que conduziam a operação seguidas da frase: “agentes públicos que praticaram abuso de poder contra a UFSC que levou ao suicídio do reitor”.
Ubaldo Balthazar, novo reitor, e Aureo Mafra de Moraes, à época seu chefe de gabinete, se tornaram alvos. É o que explica o professor de Processo Penal da UFSC Matheus Felipe de Castro. Ele também integra uma comissão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que acompanha o caso.
“Posteriormente, a Polícia Federal chamou o Aureo e o reitor e queriam que delatassem o nome dos manifestantes. Como eles se negaram, tentaram atribuir a culpa ao reitor e seu chefe de gabinete. Em uma situação muito ruim. Os manifestantes estavam exercendo a livre manifestação de pensamento”, afirma.
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra ambos por crimes contra a honra da delegada Marena. A juíza de primeira instância rejeitou o documento e pediu seu arquivamento. O MPF entrou com recurso contra a decisão, que agora é avaliada por um colegiado do Juizado Especial Criminal de Florianópolis.
“A Polícia, o MP, o Judiciário têm direito constitucional de averiguar regularidades. Mas daí a espetacularizar as ações, é outra coisa. O que vem acontecendo no Brasil no bojo da Lava Jato, e acabou acontecendo na Universidade, foi essa espetacularização. Foi o que aconteceu no caso do Cancellier. Como a comunidade universitária reagiu, agora começa a ter esse tipo de situação que cheira a perseguição”, complementa Castro.
Leonardo Yaroch, advogado e professor, que escreveu artigos sobre o tema, afirma que a prisão, em nosso sistema constitucional, deve ser vista como uma medida excepcional a ser utilizada apenas em última instância, o que, no caso de Cancellier, significa que foi utilizada de forma abusiva e desproporcional. Para ele, as críticas à atuação da Polícia Federal são parte da democracia e não devem ser encaradas como ataques à honra pessoal de agentes.
“Censura está na moda, né? Isso mostra que infelizmente que o Estado penal vem atropelando direitos e garantias fundamentais. A sanha punitivista, alimentada pela mídia opressiva, vem colocando direitos garantidos na Constituição em segundo plano”, afirma.
O delegado Luiz Carlos Korff foi o responsável por parecer que recomendou arquivamento de sindicância aberta contra Marena na Corregedoria da PF. Outro corregedor seguiu sua posição. O superintendente regional da PF Germano di Ciero Miranda decidiu arquivar a representação. Korff também é diretor de comunicação da Polícia Federal em Santa Catarina, tendo assessorado Marena e outros delegados em contatos com a imprensa. Ele negou, quando do seu parecer, conflito de interesses no caso, e que estava ausente quando a operação foi deflagrada.
Edição: Diego Sartorato
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