Uma filha impedida do convívio com a mãe que estava no exílio na França por 7 anos, podendo apenas corresponder por cartas e fotos. Nesta quinta-feira, 21 de fevereiro, Vânia Alcântara de Carvalho, filha de Nina, que advogava para perseguidos políticos foi declarada anistiada política. A restrição a seus direitos não se deram apenas pela ausência materna, Nina ficou no Brasil com o pai, devido a uma decisão judicial. No processo de disputa de guarda das filhas, o juiz à época retirou a guarda da mãe, impedindo-as de se encontrarem, e fundamentou a sentença: “retiro a guarda da mãe por ela ter optado por atividades subversivas nefastas”.
Em depoimento comovente enviado por escrito, Vânia relatou à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça sobre as dificuldades vividas: “Quando eu soube que minha mãe foi embora, foi durante as férias, na casa do meu pai em 1971. Me diziam que o presidente Médici não gostava dela e por isso ela tinha ido. Aprendi a conter a dor da ausência e suprimi-la. Nas homenagens nas escolas em dia das mães era sempre uma polêmica. Uma vez, cheguei a dar um presente para a mãe de uma amiga”, contou em carta. Somente em 1978, Vânia foi encontrar a mãe na França.
Além desse processo, a Comissão de Anistia julgou 16 outros, de familiares de perseguidos políticos em uma sessão temática. Quinze receberam a anistia. Dentre eles, o de Vera Pape Pape, que passou pelo exílio no Chile e na França. Filha de Eveline, a mãe, era militante da Polop (Organização Revolucionária Marxista – Política Operária) em Goiás. Vera nasceu em 1962 e aos três anos foi morar no Chile. Em razão do golpe militar naquele país, em 1973, foi morar na França, onde ficou até 1980. Somente em 2010, Vera foi conhecer o pai, que hoje vive na Suécia.
As anistiadas Vera Pape Pape e Sílvia Perrone, conviveram juntas durante o exílio quando eram crianças. As duas amigas não se viam há 30 anos, o reencontro aconteceu na sessão da Comissãode Anistia.
“Em 1980 cheguei ao Brasil com documentos franceses, levei vários anos para conseguir a certidão de nascimento de brasileira, meu irmão, é portador de sofrimento mental, minha mãe tinha transtorno bipolar. Tudo isso faz que a vida fique tumultuada, mas dizem que pessoas que vivem em campos de concentração podem sair feridas, mas não necessariamente se quebram. A música me trouxe isso, quem não tem sonhos não faz música”, contou Vera, sobre como tentou superar o drama com a música. Ela é flautista.
Durante a sessão Vera reencontrou-se com outra amiga de exílio, Sílvia Perrone, elas não se viam há mais de 30 anos. Filha de deputado cassado pela Assembléia Legislativa de São Paulo, Sílvia, cujo processo também foi julgado na última quinta-feira, contou sobre a vida no exílio e da solidariedade internacional, sobre como os refugiados e exilados se ajudavam.
“Eu tenho boas lembranças da vida no Chile, nossa casa era aberta e recebíamos muitas pessoas, até irmos para a França. Foi quando caiu a ficha para meu pai que ele não poderia mais voltar, aí as coisas ficaram mais difíceis. Mas minha mãe sempre nos criou para não reclamar, pois nós éramos refugiados, era uma situação privilegiada”, contou.
Outros anistiados nessa sessão foram Teresa e Paulo Fayal de Lyra, filhos de pais banidos pela ditadura que foram viver na Suécia. Eles permaneceram apátridas e sem certidão de nascimento. “Antes achávamos que a história dos nossos pais não era nossa também. Hoje temos consciência de isso afetou a nossa família”. O pai, Carlos Fayal, também esteve presente na sessão. Ele leu o próprio depoimento:
“Neste ato de anistia comemoramos a vida, vida nova de uma geração que se sacrificou”.
“Neste ato de anistia comemoramos a vida, vida nova de uma geração que se sacrificou”.
Marcos Zamikhowsky Lopes também recebeu o pedido de desculpas oficiais do Estado brasileiro e agradeceu. “Aos cinco anos fui arrancado da convivência com a minha mãe, perseguida política, que simplesmente sumiu da minha vida. Por alguns meses eu não soube se ela estaria vida ou morta. Minha infância foi traumatizante e tive que mudar muitas vezes de um país para outro, e sofri com as adaptações. Tive uma infância sem raízes e depois que voltei ao Brasil, sem falar a língua, senti-me exilado no próprio país. O dano moral é intenso e existe até hoje.”
Durante a abertura, o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, lembrou do jovem Carlos Alexandre, anistiado há três anos em sessão semelhante no Ministério da Justiça, e que cometera suicídio semana passada. Abrão pediu um minuto de silêncio em homenagem à memória dele. “É fundamental compreender as diferentes formas de repressão e os danos transgeracionais que a ditadura legou ao país e aos nossos cidadãos e trabalharmos segundo o princípio da reparação integral”, afimou Paulo Abrão.
Devido aos danos psicológicos aos cidadãos perseguidos pelos atos de exceção cometidos pelo Estado, a Comissão de Anistia criou o Projeto Clínicas do Testemunho. A intenção é dar apoio em saúde mental para vítimas de violência do Estado. A Comissão de Anistia selecionou 11 instituições para receber incentivo de até R$ 600 mil para funcionar por até dois anos, com início das atividades previsto para ocorrer em 2013.
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