Ex-cabo Victor Cristilder e guarda-civil Sérgio Manhanhã são acusados de integrar grupo que matou vítimas em Osasco e Barueri para vingar assassinatos de policial militar e GCM. Eles tiveram júris anteriores anulados e, por isso, começaram a ser julgados novamente nesta segunda (22) em Osasco.
Por Kleber Tomaz e Filippo Mancuso, G1 SP e TV Globo — São Paulo
22/02/2021 06h00
Atualizado há 2 anos
O ex-PM Victor Cristilder e o GCM Sérgio Manhanhã são acusados de 17 mortes na maior chacina do estado de São Paulo, em 2015 — Foto: Reprodução/TV Globo
O ex-cabo da Polícia Militar (PM) Victor Cristilder Silva
dos Santos, de 37 anos, e o guarda-civil municipal Sérgio Manhanhã, de 48,
começaram a ser julgados, na manhã desta segunda-feira (22), pela maior chacina
da história do estado de São Paulo, em 2015.
Segundo a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça
(TJ), o novo julgamento do ex-PM e do agente da Guarda Civil Municipal (GCM) de
Barueri teve início por volta das 11h no Fórum Criminal de Osasco, na região
metropolitana. Os júris anteriores que condenaram os réus pela mesma chacina
foram anulados pelo Tribunal de Justiça , que marcou um novo e único júri para
ambos (saiba mais abaixo). A previsão da Justiça é a de que esse outro júri
popular possa durar até quatro dias.
Cristilder e Manhanhã alegam inocência, mas estão presos
preventivamente acusados de matar a tiros 17 pessoas e ter baleado e ferido
outras sete na noite de 13 de agosto de 2015 em Barueri e Osasco. Câmeras de
segurança gravaram as execuções que foram cometidas por homens armados e
encapuzados (veja o vídeo abaixo).
Segundo o Ministério Público (MP), o ex-PM e o GCM integravam esse grupo de extermínio, que era formado por agentes das forças de segurança pública. Ainda de acordo com a acusação, os atiradores executaram as vítimas para vingar os assassinatos de um policial militar e de um guarda-civil, respectivamente nos dias 8 e 12 de agosto de 2015.
Júri sem público
Por causa da pandemia de coronavírus, o novo júri do ex-PM e
do GCM não terá a presença da plateia ou da imprensa. Ao todo, 40 testemunhas,
entre acusação e defesa, deverão ser ouvidas, segundo o TJ. O MP apresentou um
número diferente do total de testemunhas: 20.
Também participarão do julgamento o Ministério Público e
advogados dos réus. Os acusados serão interrogados por último. Sete jurados vão
decidir se absolvem ou condenam os réus. Até a última atualização desta
reportagem, quatro mulheres e três homens haviam sido escolhidos como jurados.
Após a votação, a juíza Elia Kinosita dará a sentença e, no caso de condenação,
a pena.
É a segunda vez que Cristilder e Manhanhã vão a júri popular
pelos mesmos crimes. Na primeira, entre 2017 e 2018, ambos foram condenados
pela chacina a penas, que somadas, chegam a mais de 200 anos.
Mas a defesa recorreu e o Tribunal de Justiça anulou essas condenações em 2019. A alegação foi de que os jurados votaram contra as provas do processo, que já tem mais de 30 mil páginas. Por esse motivo, o TJ determinou que os acusados fossem julgados novamente num único júri.
Outros dois policiais militares acusados da chacina continuam presos após terem sido condenados em 2017 pelos homicídios. As penas deles somam mais de 500 anos (saiba mais abaixo).
Parentes das vítimas da chacina de 2015 colocaram faixas em frente ao Fórum de Osasco para pedir a condenação dos réus — Foto: Filippo Mancuso/TV Globo
O que diz a defesa
O novo júri de Cristilder e Manhanhã já deveria ter ocorrido
em novembro de 2020, mas foi adiado pela Justiça porque o advogado deles, João
Carlos Campanini, estava com suspeita de Covid-19, que foi descartada depois.
“Já ficou comprovado nos autos que eles não participaram da
chacina. As provas documentais, periciais e testemunhais tornam evidente a
inocência de ambos”, afirmou Campanini, na semana passada, ao G1, sobre como
será a defesa de seus clientes no novo julgamento.
De acordo com o advogado, o fato de Cristilder ter fraturado a perna jogando bola na prisão, no dia 15, na capital, não impedirá que ele compareça à nova audiência.
“Já foi operado. Assim, o júri vai acontecer”, falou
Campanini, que até a última atualização desta reportagem aguardava a alta
médica de Cristilder na sexta-feira (19). O ex-PM passou por cirurgia no
Hospital das Clínicas (HC).
O que diz a acusação
Por causa da pandemia de Covid, os sete jurados ficarão no plenário do Fórum de Osasco, afastados com distanciamento social — Foto: Divulgação/TJ-SP
O promotor Marcelo Oliveira acusa Cristilder e Manhanhã
pelos crimes de homicídio doloso qualificado (meio cruel e recurso que
dificultou a defesa das vítimas), tentativa de homicídio e formação de
quadrilha.
“O Ministério Público pedirá a condenação e espera
serenamente que eles sejam condenados, como já o foram, quando do primeiro
julgamento”, disse Oliveira à reportagem. "Verdadeiro ato terrorista que
foi praticado em Osasco e Barueri".
A defensora pública Maira Coraci Diniz será assistente do MP na acusação. Ela defende os interesses das famílias das vítimas.
Como foi a chacina
Local da série de ataques em Osasco e Barueri — Foto: Nivaldo Lima/Estadão Conteúdo
Ao todo, 23 pessoas foram mortas a tiros por encapuzados
armados em agosto de 2015. Mas somente 17 mortes foram atribuídas ao grupo de
extermínio formado por agentes de segurança (saiba mais abaixo).
De acordo com a Promotoria, a chacina foi cometida pelos
agentes para vingar os assassinatos do policial militar Admilson Pereira de
Oliveira, em 8 de agosto de 2015, em Osasco e do guarda-civil Jeferson Luiz
Rodrigues da Silva, no dia 12 de agosto do mesmo ano, em Barueri.
Ainda no dia 8 de agosto de 2015, homens armados mataram
seis vítimas em Carapicuíba, Itapevi e Osasco. Mas a Polícia Civil e o
Ministério Público não conseguiram identificar a autoria de cinco dessas
mortes. Além disso, na morte cometida em Carapicuíba, o único acusado,
Cristilder, foi julgado e inocentado pela Justiça em 2020.
A investigação só conseguiu confirmar a autoria das mortes
cometidas na chacina do dia 13 de agosto de 2015: sendo 14 delas em Osasco e
outras três em Barueri (veja no quadro abaixo).
Quatro agentes, três policiais militares e um guarda-civil
municipal, estão presos atualmente por esses 17 assassinatos. Todos os acusados
negam os crimes.
Segundo o Ministério Público, Cristilder e Manhanhã se
uniram ao grupo de milicianos para cometer os ataques à época que trabalhavam,
respectivamente, no 20º Batalhão da PM e na Guarda Civil Municipal de Barueri.
As vítimas foram escolhidas aleatoriamente, segundo a
denúncia do MP. Algumas tinham ficha criminal. Estavam em ruas e em bares.
Dezesseis eram do sexo masculino e uma do feminino, uma adolescente de 15 anos
(veja aqui e abaixo quem são).
Veja acima como foi a chacina que deixou 17 mortos em Osasco
e Barueri em 2015 — Foto: G1 Arte
Condenações anteriores
Em 2017, os então policiais militares Fabrício Eleutério,
soldado das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), e Thiago Henklain, do
42º BPM, foram condenados a penas de 255 e 247 anos de reclusão em regime
fechado, respectivamente. Eles foram acusados de matar 17 pessoas e ferir
outras sete no dia 13 de agosto de 2015 em Osasco e Barueri.
Nesse mesmo júri de 2017, Manhanhã também foi julgado e
condenado. Recebeu pena de 100 anos e 10 meses por participação em 11 mortes e
duas tentativas de assassinatos. Segundo o TJ, essa punição foi reduzida depois
para 94 anos, 7 meses e 10 dias de reclusão.
Cristilder foi julgado sozinho em 2018. Havia sido condenado
a 119 anos, 4 meses e 4 dias de prisão por 12 das mortes e quatro tentativas de
assassinatos.
Apesar de receberem penas que ultrapassam o período de um
século de prisão, pela lei brasileira nenhum deles poderá ficar mais de 30 anos
preso.
Em 2019, depois da condenação dos seus agentes, a Polícia Militar
expulsou os três PMs da corporação. Manhanhã continua na GCM.
Todos os quatro acusados da maior chacina do estado de São
Paulo permanecem presos. O G1 não conseguiu localizar as defesas de Eleutério e
Henklein para comentarem o assunto até a última atualização desta reportagem.
Famílias
Parentes do ex-PM e do GCM devem comparecer na frente do
fórum de Osasco para pedir a absolvição dos réus. Já os familiares das vítimas
da chacina pretendem protestar no local durante os dias do novo julgamento para
cobrar as condenações do ex-PM e do GCM. Assim como fizeram nos júris
anteriores.
"Não tem um dia que eu não lembre do meu filho. Ele era
bonzinho", disse Aparecida Gomes da Silva Assunção, mãe do mecânico
Leandro Pereira Assunção, uma das vítimas mortas. "Os filhos sentem muito
a falta do pai. Eles choram. Ficou o vazio, a tristeza, a saudade. Então eles
têm que pagar pelo que fizeram. Eles destruíram muitas famílias".
Familiares das vítimas da chacina de 2015 protestam com cartazes em frente ao Fórum de Osasco — Foto: Filippo Mancuso/TV Globo1
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