Presidente Jair Bolsonaro durante coletiva de imprensa no Palácio da Alvorada, em Brasília
Imagem: 02.set.2019 - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Luís Adorno
Do UOL, em São Paulo
02/09/2019 13h29
O indulto está transcrito no inciso 2 do artigo 107 do CPB com o termo "Causa de Extinção de Punibilidade". Tradicionalmente no Brasil, o presidente edita, ao fim do ano, um decreto de indulto natalino que estabelece requisitos mínimos para definir quem pode ser beneficiado com o perdão.
No entanto, para que isso ocorra, é necessário que o beneficiado já tenha o trânsito em julgado, ou seja, que não haja mais possibilidade de recurso. O que não é o caso do Carandiru, uma vez que o julgamento dos PMs foi anulado. A lei também veta que o benefício seja estendido para crimes hediondos. O que incluiria os dois policiais condenados por Carajás. No caso do ônibus 174, os PMs já foram absolvidos.
Na semana passada, o presidente havia afirmado que pretendia ceder indulto a policiais e incluiria "nomes surpreendentes". Durante um almoço com jornalistas no quartel-general do Exército, em Brasília, no sábado —evento em que não foram permitidas gravações nem anotações—, Bolsonaro disse não querer dar detalhes, mas que incluiria os PMs envolvidos nesses três casos.
Juristas apontam a lei contra a promessa
O UOL entrevistou desembargadores e professores de direito. Segundo os ouvidos, tecnicamente e de acordo com o CPB, Bolsonaro estaria impedido de ceder indulto aos três grupos citados. Um dos desembargadores votou a favor da anulação do julgamento do caso do Carandiru, sendo portanto impedido de falar sobre o processo, mas disse, pedindo para não ser identificado, que o indulto não cabe.
O professor da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) Guilherme Almeida afirmou que "tecnicamente, Bolsonaro não sabe o que está acontecendo no processo jurídico. Com certeza absoluta, ele não tem a mais pálida ideia de como andam esses processos".
"Mas o que é grave é que ele já indica um direcionamento. Falou num evento junto com os militares: 'Se for condenado, eu vou indultar'. Ele colocou essa coisa do Carandiru na mesma leva de indulto a PMs. Mas, tecnicamente falando, é impossível", argumentou o professor.
A professora de processo penal na pós-graduação da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Maíra Zapater explicou que "o indulto só cabe para quem já está cumprindo pena". "Não cabe em hipótese alguma nesses casos, porque não teve julgamento e não tem ninguém preso no caso do Carandiru, por exemplo".
Maíra, que é doutora em direitos humanos pela USP, disse também que "existe vedação do próprio texto constitucional para crimes hediondos". "Condenações por homicídios qualificados, como seria no caso do Carandiru ou de Carajás, de qualquer forma não caberiam no indulto."
A lei dos crimes hediondos é de 1992; a Constituição Federal, de 1988. E ambas vedam a concessão de indulto para crimes hediondos. O indulto é uma causa de extinção da punibilidade para depois do trânsito em julgado das decisões.
Maíra Zapater, doutora pela USP e professora na FGV
Os argumentos citados pelos dois professores são corroborados por magistradas entrevistadas pela reportagem. A juíza Larissa Pinho de Alencar Lima, da Justiça de Rondônia, disse que "o direito penal prevê hipóteses de extinção de punibilidade e, entre elas, o indulto que pode ser coletivo e alcançar todas as sanções impostas ao condenado, com a aplicação de redução ou substituição da pena imposta e até mesmo a extinção da pena. Mas, em hipóteses em que não há pena aplicada, não é possível o indulto".
De acordo com o desembargador José Laurindo de Souza Netto, professor e supervisor pedagógico na Escola da Magistratura do Paraná, "indulto é concedido a condenados, conforme previsão constitucional, não há que se falar em cabimento desse perdão judicial a quem não foi condenado ainda".
A desembargadora Ivana David, da Justiça de São Paulo, concorda. "Tecnicamente falando, não abrangeria os processos do Carandiru. Porque eles não são considerados com o trânsito em julgado. No ano passado, o decreto do Temer abrangeria crimes de corrupção, por exemplo, e foi vetado."
De acordo com o advogado Antonio Claudio Mariz, que defendeu o ex-presidente Michel Temer, "o indulto atinge o cumprimento de uma pena desde que cumpridas certas condições pessoais e temporais. Óbvio que há de haver uma condenação criminal aplicando uma pena. Indulto sem pena é mais uma 'bolsorinada'".
Posicionamento contra indultos em 2018
Em novembro do ano passado, Bolsonaro afirmou que foi "escolhido presidente do Brasil para atender aos anseios do povo brasileiro", que iria "pegar pesado na questão da violência e criminalidade" e que garantia que, se houvesse indulto no ano passado, seria o último.
À época, o ex-presidente Michel Temer desistiu de editar o decreto, porque o STF (Supremo Tribunal Federal) não havia julgado ainda a validade do que havia sido assinado no ano anterior e que reduzia as restrições para incluir condenados por corrupção entre os beneficiados.
Na manhã de hoje, Bolsonaro recuou. Em entrevista coletiva em Brasília, o presidente disse, contrariado: "Então mudou, recuei, pode escrever, recuei, vou dar indulto para polícias também. Mais alguma coisa?", disse. "Sempre foram esquecidos [policiais e militares]. Agora, porque sou um capitão do Exército, vou esquecer esse pessoal que sempre esteve ao meu lado?", questionou.
O presidente ressaltou que cumprirá as regras que estão previstas na legislação, sem "nada arbitrário". Segundo o jornal "Folha de S.Paulo", o Palácio do Planalto ainda estuda, porém, se é possível, no âmbito jurídico, conceder o perdão de punição a apenas uma categoria.
"O indulto tem de estar enquadrado no decreto. Não é quem eu quero. Tem de estar enquadrado no decreto. Os policiais civis e militares sempre foram esquecidos. Desta vez, não serão. Nós oficializaremos todos os comandantes da Policia Militar para que mandem a relação com a justificava. Não haverá nada arbitrário", afirmou o presidente.
O Massacre do Carandiru
O massacre aconteceu em 2 outubro de 1992, quando 111 presos foram mortos por PMs após uma rebelião na penitenciária, que ficava localizada na zona norte da capital. Segundo as investigações, foram usados golpes de cassetetes, canos de ferro, coronhadas de revólver e pontapés. Alguns detentos foram feridos por facas, estiletes, baionetas e por mordidas de cachorro.
Em entrevista ao UOL, o desembargador Ivan Sartori, relator do caso, afirmou que "os policiais fizeram o que podiam. Não havia condições de fazer outra coisa. Do lado de lá, havia armas, sim, inclusive armas de fogo, armas brancas, seringa com sangue, água, óleo dentro do presídio. Os presos que quiseram se render, se renderam e não houve qualquer consequência". Nenhum policial ficou ferido durante a ação.
O Massacre de Eldorado do Carajás
Em abril de 1996, 19 sem-terra foram assassinados em Eldorado do Carajás, no Pará. Mil e quinhentos sem-terra, que marchavam em direção a Belém em um protesto contra a demora da desapropriação de terras, acamparam em uma rodovia. A PM foi acionada para desbloquear a via.
Comandada pelo coronel Mário Pantoja, o major José Maria Oliveira e o capitão Raimundo Almendra, a tropa chegou ao local no dia seguinte. Enquanto os sem-terra usavam paus e pedras para conter a ação dos PMs, os policiais revidaram com tiros. Mais de 60 ficaram feridos. Por excesso de força e dificultar a defesa das vítimas, o ataque foi considerado como crime hediondo.
Vinte anos depois, dois comandantes da operação foram condenados —o coronel Pantoja, a 258 anos anos de prisão, e o major Oliveira, a 158 anos. Eles estão presos desde 2012.
Caso do ônibus 174
Em junho de 2000, Sandro do Nascimento manteve 11 passageiros reféns no ônibus da linha 174, no Jardim Botânico, zona sul do Rio de Janeiro. Após horas de negociações, Sandro, com uma arma apontada para a cabeça da professora Geisa Gonçalves, saiu do coletivo.
Um soldado do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) tentou balear o sequestrador, mas atingiu Geisa de raspão. Sandro disparou e matou a professora. Apesar de sair do local com vida, Sandro chegou ao hospital morto por asfixia.
Os policiais militares apontados como responsáveis pela morte de Sandro foram absolvidos pela Justiça do Rio de Janeiro.
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