Em face dos crimes de tortura e abuso de autridade
Luciano Bernardino de AraujoResumo: O crime de abuso de autoridade se encontra disposto na Lei nº 4.898, de 09 de dezembro de 1965 e o crime de tortura é tratado na Lei nº 9.455, de 07 de abril de 1997. A ação de policiais que muitas vezes extrapolam suas funções com emprego de violência acaba incorrendo em um dos crimes. O policial está garantido por Lei a usar o uso da força física no exercício de suas funções, como também utilizar arma de fogo. O grande problema é que alguns policiais se reforçam nesta idéia de força legitima para excederem os seus atos de violência. Há de se distinguir o uso da força legítima e o uso da violência arbitrária.[1]
Palavras-chave: abuso de autoridade, tortura, força legítima, violência policial.
Sumário: Introdução. 1. Conceitos e Histórico da prática da tortura. 2. Tortura: Aspectos Jurídicos. 3.Abuso de autoridade. 4. A atividade policial face os crimes de tortura e abuso de autoridade. 5. Considerações a respeito dos direitos humanos e a atividade policial. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho, examinar-se-ão os aspectos normativos da conceituação da tortura e abuso de autoridade, punição de ambos no âmbito nacional, apontando a natureza de tais obrigações e os modos de se desincumbir desses institutos penais. Anteriormente a lei de tortura, todos os atos de coação e força excessivos cometidos por agentes policiais eram tratados como abuso de autoridade, o que muitas vezes favoreciam estes policiais por a pena ser mais branda. O problema central diz respeito a definição e conceituação de ambos os crimes.
A atividade policial se encontra no limbo entre a força legítima e os crimes em questão. Há de se fazer um comparativo entre força e violência, caso ocorra a força arbitrária, se os policiais devem responder por um ou outro crime em questão, ou até mesmo, por ambos.
1 CONCEITOS E HISTÓRICO DA PRÁTICA DA TORTURA
Existe proximidade entre crime de tortura e abuso de autoridade, o que conduz a uma série de problemas interpretativos. Apesar, de serem tão próximos estão definidos em leis distintas. No comparativo tortura e abuso de autoridade para melhor entender o tema e suas peculiaridades é necessario primeiramente estudar seus conceitos e evolucão histórica.
A prática de tortura é conhecida há muito tempo na história da humanidade. Os Tribunais da Inquisição, por exemplo, a aplicavam com a finalidade de unificar a fé cristã através do combate aos hereges. Devido à fusão entre Estado e Igreja nesta época, tais procedimentos serviram mais aos interesses políticos do que aos “celestes” e se tornou uma forma de estabelecer o poder dos governantes. Desta forma, a tortura passou a ser um meio de obter-se a confissão dos “criminosos”, que, assim, teriam condições de “salvar suas almas”, já que, com esta, estaria suposto o arrependimento do crime. Nos processos da Inquisição a tortura também se caracterizava pela publicidade o que facilitou, através da intimidação, o asseguramento do poder dos governantes. [2]
Em 1740 a tortura foi abolida na Prússia, que foi seguida por vários Estados europeus, mas não por todos. O jurista italiano Pietro Verri, iluminista do séc. XVIII, aterrorizado com a permanência de prática tão horrível em seu país, justamente quando a Europa se deixava levar pelos “ventos da razão”, se posiciona categoricamente em sua obra Observações sobre a Tortura. Ele afirma que por meio da dor um ser humano é capaz de confessar o que não fez para se livrar do sofrimento: “um ‘duro‘ verdadeiramente culpado pode ter grande resistência à tortura enquanto um inocente mais sensível confessa o que lhe for exigido se for submetido ao menor suplício”. [3]
O século XX foi marcado por regimes autoritários onde a tortura foi amplamente empregada. Após a criação da ONU em 1945 foram estabelecidos critérios para a observância dos direitos humanos, dentre eles o devido processo legal e a proibição da tortura. Como fonte e fundamento para a proibição absoluta da tortura têm as convenções da ONU de 1975 e [4]1984 : ambas definem o crime de tortura e estabelecem medidas visando o seu combate. Estas normas, obviamente deveriam ser introduzidas no ordenamento jurídico nacional e serem cumpridas pelas autoridades públicas. No entanto, conclui-se que, em países como o Brasil, muito embora conste sua vedação na Constituição Federal e em lei específica, a tortura tem sido uma prática ainda comum, porém latente. [5]
E, na Alemanha, há atualmente, uma tendência de relativizar-se a configuração da prática da tortura, como, por exemplo, em caso de perigo “terrorista” ou em caso de seqüestro. [6]
A tortura no Brasil, como meio de obtenção de prova através da confissão e como forma de castigo a prisioneiros, remonta aos primórdios da ocupação do país pela metrópole portuguesa, no ano 1500. Legado da Inquisição promovida pela Igreja Católica, a tortura nunca deixou de ser aplicada durante os 322 anos de período colonial e, posteriormente, nos 67 anos do Império brasileiro e nos 111 de República. [7]
O entendimento, em nível internacional, para conceituar a tortura levou em consideração os termos da “Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes”, adotados pela ONU, em 10 de dezembro de 1984.
No Brasil, a tortura passa a ser considerada crime com a lei no 9.455, de 7 de abril de 1997. De acordo com o art. 1º desta lei:
“Art. 1º. Constitui crime de tortura:
I- Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento mental.
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa,
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa,
c) em razão de discriminação racial ou religiosa,
II- submeter alguém sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como, forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
§1º na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
§2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
§3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos; se resulta morte, a reclusão é de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos.
§4º Aumenta-se a pena de 1/6 (um sexto) até 1/3 (um terço).
I - se o crime é cometido por agente público.
II- se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos.
III - se o crime é cometido mediante seqüestro.
§ 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.
§ 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
§ 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado”[8].
Embora a tortura seja definida em termos semelhantes aos constantes do Artigo 1 da Convenção de 1984, a definição constante da lei brasileira não reflete inteiramente a definição de tortura internacionalmente acordada. A definição brasileira restringe os atos de tortura à "violência ou grave ameaça", ao passo que a definição da Convenção refere-se a "qualquer ato". Assim sendo, a definição brasileira não abrange atos que não são violentos per se, mas que, no entanto, podem impor "dor ou sofrimento intenso, seja físico ou mental". Também importa observar que, de acordo com a definição brasileira, o crime de tortura não se limita a atos cometidos por funcionários públicos. Entretanto, é estipulado que a pena é mais severa se o crime for perpetrado: a) por um agente público (...).
A tortura no Brasil esteve ligada à propagação de três centros: no Exército (DOI – CODI – Departamento de Operações e Informações de Defesa Interna), na Aeronáutica (CISA – Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica) e na Marinha (CENIMAR – Centro de Informações da Marinha). Nestes, vários métodos de tortura eram utilizados (coerções morais e psicológicas, violências físicas sexuais, torturas com aparelhos mecânicos e elétricos, com produtos químicos, insetos, animais etc.), com intuito de obter confissão[9].
A vedação da tortura foi inserida na Constituição Federal brasileira de 1988, isto significa que esta deve ser observada por todos os cidadãos e autoridades de direito público ou privado. O artigo 5.° da Constituição brasileira estabelece: “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante” e também que a lei considera a tortura um crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. O crime de tortura, porém, somente foi descrito em 1997 com o advento da lei n.° 9455. Segundo esta lei, a tortura consiste no constrangimento capaz de causar a alguém sofrimento físico ou mental com o emprego de violência ou grave ameaça com a finalidade de obter alguma informação, declaração ou confissão desta ou de terceira pessoa, para provocar uma ação ou omissão de natureza criminosa, ou em razão de discriminação racial ou religiosa, assim como agir desta mesma forma com a finalidade de castigo ou como medida de caráter preventivo contra pessoa que estiver sob a guarda, poder ou autoridade do agente, o torturador. [10]
O crime de tortura não está ligado a um agente específico, mas em grande parte é cometido por funcionários dos órgãos públicos ligados a polícia. Apesar de o ordenamento jurídico brasileiro prever a garantia dos direitos humanos, a luta pela observância da inviolabilidade da vida humana no Brasil nunca atingiu um ponto que pudéssemos considerar satisfatório e equilibrado. Este país é marcado desde seu “descobrimento” pela inobservância da dignidade do ser humano por suas instituições, principalmente, as policiais. Por isso, a atuação dos movimentos sociais é fundamental para uma possível melhora desta conjuntura. [11]
Antes da promulgação da Lei da Tortura, os casos de tortura haviam sido classificados exclusivamente como abuso de autoridade, ou, inter alia, como lesões corporais, nos termos do Artigo 129 do Código Penal; homicídio (nos casos em que resultasse em morte), nos termos do Artigo 121 do Código Penal; ameaça, nos termos do Artigo 147 do Código Penal, ou constrangimento ilegal, nos termos do Artigo 146 do Código Penal. De acordo com a informação recebida, particularmente de promotores públicos[12], as sentenças decretadas antes de a Lei da Tortura entrar em vigor variavam de dez dias a três meses. O número de casos nos quais os agentes públicos eram absolvidos ou demitidos sempre era consideravelmente mais alto do que os casos de condenação, e, dos casos de condenação, cerca de cinqüenta por cento eram por abuso de autoridade ou lesão corporal. Quando os casos resultavam em uma condenação, os funcionários da execução da lei recorriam e raramente eram efetivamente punidos devido à expiração dos períodos de limitação de responsabilidade legal. De acordo com advogados e ONGs de direitos humanos, antes da Lei da Tortura, a prescrição também comprometia os esforços pela responsabilização penal de incidentes de tortura[13]. A prescritibilidade do crime passa a contar a partir da comissão do crime até a data de condenação e sentenciamento. Se uma pessoa é condenada depois de expirado o prazo de prescrição, o juiz não pode impor uma sentença de prisão. Também é informado que essa possibilidade estimulava juízes corruptos a deliberadamente retardarem certos casos, de modo que pudessem ser arquivados. A fim de evitar o desperdício de recursos judiciais, os promotores muitas vezes arquivavam casos de lesão corporal, certos de que, mesmo se tivessem êxito em processar a parte responsável, a prescrição provavelmente interviria antes da condenação, eliminando, assim, a possibilidade de um período de reclusão. [14]
2 TORTURA: ASPECTOS JURÍDICOS
A Lei 9.455, de 7 de abril de 1997, introduziu no nosso ordenamento jurídico uma maior punição pela prática do crime de tortura. Antes da referida lei, esta conduta odiosa somente podia ser punida em tipos penais de menor expressão e cujas sanções indiscutivelmente, estavam aquém da sua gravidade e necessária repulsa pela sociedade moderna. De fato, a repressão a esta atividade criminosa cingia-se a sua caracterização penal conforme o resultado da violência ou grave ameaça (p. Ex. Lesões corporais, homicídio, ameaça e abuso de autoridade.[15]
A Constituição Federal, em seu art. 5º, XLIII, dispôs que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”. Não se trata de crime imprescritível, uma vez que somente são considerados como tal o racismo e as ações de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, não se admitindo nenhuma outra exceção em nosso ordenamento jurídico. Conforme a análise do art. 5º, XLIII, da CF, verifica-se que o legislador não erigiu à categoria de crime hediondo a prática de tortura; no entanto, passou a ser assim considerada por equiparação, estando sujeita à mesma disciplina penal mais gravosa dispensada aos delitos hediondos.
O crime de tortura foi tipificado pela primeira vez entre nós no art. 233 do ECA (Lei n. 8.069/90), com a seguinte redação: “Submeter criança ou adolescente, sob sua autoridade, guarda ou vigilância, a tortura – Pena: reclusão de um a 5 anos”. Resultando lesão grave, a pena passava para 2 a 8 anos de reclusão; lesão gravíssima, para 4 a 12 anos de reclusão; e morte, 15 a 30 anos de reclusão (§§ 1º,2º e 3º, respectivamente, do art.233). Mas esa lei tutelava apenas criança e o adolescente deixando sem proteção penal adequada uma infinidade de pessoas.
De acordo com o disposto no art. 1º, I, “constitui crime de tortura constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental”. Referido inciso possui três alíneas, as quais funcionam como elemento subjetivo do tipo. São elas: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa. A pena será de reclusão de 2 a 8 anos. Dessa forma, no art. 1º,I, da Lei n.9.455/97, estão previstos três crimes:
a) Primeiro crime: tortura-persecutória ou tortura-prova. Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa.
b) Segundo crime: tortura-crime. Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, para provocar ação ou omissão de natureza criminosa.
c) Terceiro crime: tortura-racismo. Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, em razão de discriminação racial ou religiosa.
O bem jurídico protegido por este crime é a integridade corporal e a saúde física e psicológica das pessoas. No caso de o crime ser praticado por agente público, tutela-se também, secundariamente, a Administração Pública, traída em seus objetivos de legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência.
Tal como o crime de constrangimento ilegal (CP, art.146), a ação nuclear típica consubstancia-se no verbo “constranger”, isto é, forçar, coagir, ou compelir. A diferença entre ambos os delitos reside no fato de que o tipo penal da tortura especifica os atos que a vítima está obrigada a realizar. Há, assim, primeiro a ação de constranger realizada pelo coator, a qual é seguida pela realização de um ato por parte do coagido, qual seja, o fornecimento de informações, a realização de declaração ou confissão, a prática de ação de natureza criminal, na realidade nao há necessidade que as ações ocorram, basta o constrangimento . Somente com relação ao crime de tortura-racismo, previsto no inciso III, o legislador empregou o verbo constranger, sem que nessa hipótese, aparentemente, fosse exigida qualquer ação da vítima, contentando-se com a motivação por preconceito de raça ou religião. [16]
Constranger, significa forçar alguém a fazer alguma coisa ou tolher seus movimentos para que deixe de fazer algo.
Trata-se de crime comum, e os sujeitos tanto ativos quanto passivos podem ser qualquer pessoa.
No sistema penal brasileiro, o termo violência é usado para representar agressão física, quando a grave ameaça significa uma agressão moral, uma intimidação. Em gênero, são duas formas de violência – a física e a moral.
O objeto material é a pessoa que sofre a tortura, ou seja, a pessoa sobre a qual recai a ação do agente; o objeto jurídico é complexo, envolvendo tanto a liberdade do ser humano como, também, a sua integridade física.
Para o elemento subjetivo é exigido o dolo, não existindo a forma culposa. Há elemento subjetivo do tipo específico: “obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa”; “provocar ação ou omissão de natureza criminosa” e “por motivo de discriminação racial ou religiosa”. Limitou-se, indevidamente, o alcance do tipo da tortura. Aquele que, por exemplo, torturar alguém por sadismo, não poderá ser inserido nesta figura criminosa, o que é incompreensível.
A vítima é a pessoa que sofre o constrangimento físico ou moral; a terceira pessoa é aquela que fornece a informação, declaração ou confissão, quando se depara coma tortura da vítima. Portanto, pode-se obter dados do próprio torturado ou de pessoa não agredida diretamente, porém à custa do sofrimento alheio. Ambos são sujeitos passivos do delito de tortura (ex.; tortura-se um irmão para que o outro confesse a prática de um crime). [17]
É o dolo com a finalidade especial (elemento subjetivo do tipo) a modena doutrina distingue o dolo (consciencia e vontade de realizar os elementos descritivos do tipo) e os elemtos subjetivos especiais trazidos por cada tipo penal quando haja necessidade, ou seja, o antigo dolo específico. Desse modo, exige-se a vontade de empregar a violência ou grave ameaça (dolo), com o fim de obter a prova, provocar a ação criminosa da vítima ou terceiro ou atingir o objetivo discriminatório.
Segundo preceito constitucional contido no art. 5º, III, da Carta Magna, “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. No caso de a conduta enquadrar-se em uma das figuras típicas previstas na Lei n. 9.455/97, prevalecerão os dispositivos especiais e mais graves da Lei de Tortura. Com efeito, se o policial, por exemplo, constranger o criminoso com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o fim de obter informação, declaração ou confissão, haverá a configuração do crime previsto no art. 1º, I, a, da Lei. Da mesma forma, haverá a configuração da figura prevista no inciso II do art. 1º se o agente “submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com o emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena: reclusão, de 2 a 8 anos”. O § 2º, por sua vez, prevê que “aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos”. Convém notar que, havendo o dever legal de agir, se o omitente tomar conhecimento da tortura antes de o crime ser praticado e desejá-la ou aceitar o risco de ela se produzir, responderá pelo delito de tortura na qualidade de partícipe por omissão, de acordo com o art. 13, § 2º, a, do CP. Assim, o § 2º fica reservado somente para aquele que foi negligente ao evitar a tortura, mas não a quis, nem a aceitou, e para aquele que, tomando conhecimento após o seu cometimento, nada fez para apurar os fatos. A Lei de Tortura também prevê uma figura qualificada pelo resultado (§ 3º). Assim, se do emprego de tortura advier lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão, de 4 a 10 anos; se resulta morte, a reclusão é de 8 a 16 anos. A morte, no caso, é preterdolosa, uma vez que o agente atua com dolo em relação à tortura e com culpa em relação ao resultado agravador.[18]
3 ABUSO DE AUTORIDADE
Constitui-se o crime em epigrafe, segundo o art. 3º da Lei, 4898/65, quando uma autoridade, no uso de suas funções, pratica qualquer atentado contra a liberdade de locomoção, a inviolabilidade do domicílio, o sigilo da correspondência, a liberdade de consciência e de crença, o livre exercício do culto religioso, a liberdade de associação, os direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto, o direito de reunião, a incolumidade física do indivíduo e, aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. O abuso de autoridade levará seu autor à sanção administrativa civil e penal, com base na lei. A sanção pode variar desde advertência até à exoneração das funções, conforme a gravidade do ato praticado.[19]
O conceito de autoridade está descrito no art. 5º da Lei n. 4.898/65: Quem exerge cargo, emprego ou função pública de natureza civil ou militar, ainda que tansitoriamente e se m remuneração.
O art. 5º, caput, da Constituição Federal, preceitua que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Assegurar o direito à integridade física é consequência natural do direito à vida e à segurança. Entendida a incolumidade física como integridade fisica, pode-se visualizar este tipo penal como autêntica proteção à pessoa humana, que deve permanecer livre de qualquer lesão ao corpo e à saúde. Atos de autoridade podem ser violentos, quando voltados ao controle da ordem e da segurança públicas. Entretanto, busca-se cercear a violência excessiva e, principalmente aquela que expressa a intenção de fazer valer, em flagrante desvio de poder, a força do cargo ou função estatal. Logo, ao prender um criminoso, em flagrante delito, pode a autoridade policial exercer a violência necessária à execução do ato (art. 292, CPP). Porém, por exemplo, se a autoridade, ao controlar a desordem na via pública, provocada por reunião realizada em local inadequado, agredir alguém desnecessariamente, ferindo sua integridade física, configura-se o crime de abuso de autoridade.[20]
4 A ATIVIDADE POLICIAL FACE AOS CRIMES DE TORTURA E ABUSO DE AUTORIDADE
O crime de abuso de autoridade engloba toda ofensa praticada pela autoridade, desde uma simples contravenção de vias de fato até o homicídio. Estão abrangidas tanto a violência física quanto a moral (hipnose, tortura psicológica etc). Se além do atentado resultarem lesões corporais ou a morte do indivíduo, deve o agente responder por ambos os crimes em concurso formal imperfeito, somando-se as penas. Não se há que falar em absorção das lesões ou do crime contra a vida pelo abuso, uma vez que as objetividades jurídicas são diversas. No abuso, tutela-se não apenas o bem jurídico do cidadão ofendido, mas também o interesse do Estado na correta prestação do serviço público. Não se há que invocar, portanto, o princípio da especialidade, pois as duas normas são violadas (a do abuso e a da lesão). Além disso, o abuso de autoridade é delito menos grave do que as lesões leves, graves e gravíssimas, o que tornaria inviável a aplicação do princípio da consunção. Seria inconstitucional e atentatório ao princípio da proporcionalidade admitir que uma infração leve como a prevista na Lei n. 4.898/65 pudesse prevalecer sobre graves ofensas à integridade do indivíduo. Por outro lado, se a lesão corporal absorvesse o abuso, não haveria nenhuma distinção quanto ao tratamento punitivo conferido ao agente público que trai a confiança da Administração e a um particular qualquer. Ora, a lesão cometida em abuso de autoridade por um servidor é muito mais grave e não pode ser tratada do mesmo modo.
A melhor solução, portanto, é a responsabilização por ambos os delitos. Prevalece, porém, o entendimento segundo o qual o sujeito deve responder pelas infrações em concurso material. De qualquer modo, seja pelo concurso formal imperfeito (uma só conduta com dois ou mais resultados), seja pelo concurso material (duas condutas com dois resultados), a consequência acaba sendo a mesma: somam-se as penas. Convém notar que os crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil são de competência da Justiça Comum, em face do disposto no parágrafo único do art. 9º do Código Penal Militar (com a redação determinada pela Lei n. 9.299, de 7-8- 1996) e da Constituição Federal, cujo art. 125, § 4º, com a redação determinada pela EC n. 45/2004, ressalvou a competência do tribunal do júri nos crimes dolosos contra a vida, quando a vítima for civil.[21]
Há vários agentes do Estado (especialmente os policiais), no exercício das suas cotidianas funções, são obrigados a desenvolver atos violentos para assegurar a ordem, efetuar prisões e conter tumultos. Assim, a tênue linha entre uma violência legal e um excesso, configurador de abuso de autoridade, muitas vezes concentra-se na vontade do agente. Um preso pode padecer de um mal físico qualquer e a autoridade, de propósito, se omitir com o intuito de agravar essa situação (abuso de autoridade), como pode deixar de solucionar rapidamente o caso por falta de recurso disponível (ato penalmente irrelevante, embora possa ser o Estado responsabilizado na esfera cível). Tudo depende da verificação do elemento subjetivo específico. [22]
Nem todo atentado à incolumidade física do indivíduo constituirá o delito em apreço. Com efeito, dispõe o art. 292 do CPP: “Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas”. Assim, a violência empregada pela autoridade na execução da lei ou de ordem judicial nela baseada, quando demonstrar-se necessária, não configurará o crime em estudo, constituindo hipótese de estrito cumprimento do dever legal. [23]
A prática do Crime de Tortura está prevista na legislação, portanto, as sanções devem ser aplicadas na medida legal.
O problema é quando a força utilizada pela policia não configura a prática da tortura, há de se observar a forma de interpretação a ser dada, no caso da atividade policial. Há casos que não se enquadram, em hipótese alguma, à prática do Crime de Tortura. Ou seja, muitas vezes o policial precisa utilizar força física para dominar ou mesmo prender algum autor de delito, e nessa ação acaba por causar alguma lesão à integridade física da pessoa autora do crime, ou mesmo à alguma pessoa que porventura a polícia tenha de agir em detrimento a sua liberdade individual, em favor do bem coletivo.
Um policial que usa de força física, sem excessos, para prender alguém, jamais poderia ser indiciado no Crime de Tortura, posto que sua ação é legítima e pautada de legalidade e pelo poder-dever de agir garantido e previsto na Constituição Federal e nos dispositivos normativos concernentes.[24]
Os policiais, no exercício de suas funções, e em inúmeras circunstâncias necessitam utilizar a força física moderada, e em outras ocorrências têm a necessidade de utilizar a força física em um grau mais avançado, como previsto, nas Convenções Internacionais e de Direitos Humanos, e nos Manuais de Técnicas Policiais, como por exemplo, o uso progressivo da força, ou seja, o policial inicia o uso da força de acordo com a necessidade mínima, e tal força pode chegar ao uso da força letal, com emprego de arma de fogo.
E, como nos ensina Cláudio Cassimro Dias, Bacharel em Direito, Graduado em História, Diretor Jurídico do Centro Social de Cabos e Soldados da PM e BM de Minas Gerais:
“O texto da Lei de Tortura parece injusto e pouco comedido, ao prever a perda da graduação e da função pública ao servidor que se enquadrar no respectivo crime. Tal afirmativa se dá em virtude da ação policial versus o Crime de Tortura, qual seja, o policial geralmente não tem nem noção que está praticando o Crime de Tortura ao prender um agente de assalto, por exemplo, e diante da resistência, ter de algemá-lo, ou dominá-lo, e em virtude dessa ação causar uma lesão no indivíduo suspeito. Para complicar um pouco a situação, muitos casos, que seriam lesão corporal, abuso de autoridade, constrangimento ilegal, ou mesmo, objeto de Sindicância ou Procedimento Administrativo, são levados a Justiça e ocorre o Oferecimento e Recebimento da Denúncia no Crime de Tortura. (Aí, está o perigo e a analogia que se faz da lei com um monstro). Nos quartéis e delegacias os policiais estão temerosos em trabalhar, e no exercício de suas funções, ter a infelicidade de ser indiciado no Crime de Tortura. Para que se perceba os aspectos da Lei do Crime de Tortura, observa-se: se o policial matar alguém em ação legítima, em tese, não perde a função e a Graduação ou Posto, posto que o Código Penal no artigo 121, não prevê perda da função pública no texto normativo.Tal também deveria ocorrer com a Lei de Tortura, uma vez que o exercício da função policial é muito delicado e diferente de todas as outras competências do Estado. É o policial que coloca em risco a própria vida para proteger a sociedade, que enfrenta o bandido “de frente”, e muitas das vezes é ferido e morre em ações policiais. Outrossim, uma coisa é a sentença judicial aplicada ao policial que incorre no Crime de Tortura, outra coisa é a profissão que exerce, e que tem como fonte de sustento da família. Vem a tona ainda a questão do bis in idem, que pune severamente, no caso do servidor público, mais de duas vezes pelo mesmo fato, quais sejam, o policial recebe uma condenação por Crime de Tortura, quando na realidade o que ocorreu, na maioria das vezes, é um crime de Lesão Corporal, perde a função pública, e no caso dos policiais militares, ainda perdem a Graduação e o Posto que ocupam nas Corporações Militares.”[25]
5 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DOS DIREITOS HUMANOS E A ATIVIDADE POLICIAL
O assunto tratado no presente trabalho é discutir e analisar a conduta dos policias em face dos crime de tortura e abuso de autoridade, embora se parecem são definidos por leis distintas. E, ao se tratar deste assunto nada mais fica em foco que a figura da autoridade policial, uma vez que ela é a que fica mais exposta nesse assunto. E, assim surge um outro tema: os direitos humanos, que pregam a erradicação da prática da tortura entre outros temas de cunho social.
Vale ressaltar que o presente trabalho tem a pretensão somente de relatar os trabalhos acerca do presente tema, o entendimento dos autores no assunto.
Os direitos humanos são especificidades do conceito genérico direito subjetivo; são, pois, os direitos subjetivos mais caros aos homens porque mais identificados com seu status dignitatis (=nível/grau de dignidade) – na escada da dignidade (respeito devido aos seres vivos) o ser humano está no topo. São, assim, inerentes a todos os seres humanos e por toda a vida humana (com projeções para além da vida), por isso dito direitos congênitos, inatos. São direitos que pertencem ao homem já pelo simples fato dele ser humano (veja-se direitos personalíssimos, originários.), que nascem com o homem ou que pertencem ao gênero humano, independentes de raça, sexo, idade, religião, ou grau de civilização ou instrução e que são irredutíveis mesmo quando pertencentes a criminosos desumanos, eis que a rigor, são direitos absolutos sempre mais em atenção ao gênero humano que ao indivíduo humano; são, pois, garantias mínimas do respeito que todos devemos à espécie humana.[26]
No Brasil, contudo, ainda há algumas pessoas de má-fé (são, em tese, violadores potenciais dos direitos do homem) ou que por superficialidade (são os que têm opinião sobre o que desconhecem) dizem que direitos humanos são “defesa de bandido”, ou parelham esses direitos com os da vítima como se fossem incompatíveis, excludentes entre si. Pelas razões que já conhecemos, os bandidos, os piores facínoras, ainda assim, não podem ser violados em seus direitos mínimos e essenciais à dignidade, senão deles, de todos os homens. Explica-se a aparente concentração desses direitos nas pessoas de “bandidos”, porque esses são alvos mais fáceis da fúria policial e da truculência de desprezadores dos valores humanos. Todavia é de se ressaltar que, inobstante a duvidosa intenção, qualquer defesa dos direitos humanos sempre será melhor que o silêncio e a omissão. É indiscutível, por outro lado, que as vítimas desses facínoras merecem e precisam ter garantidos seus direitos enquanto tais. Há direitos que concorrem entre si – por exemplo o direito de intimidade versus o direito de informação, mas o princípio jurídico da ponderação promove o reequilíbrio - contudo entre o direito humano do bandido e o direito da vítima, por certo, não há qualquer concorrência ou conflito.
Em suma, a pessoa incumbida da segurança pública, o policial, tem o dever de exercer a autoridade concedida para tal fim, sob pena de responder pelo crime de prevaricação (CP, Art. 319), mas não pode extrapolar, sob pena de estar praticando o crime de abuso de autoridade. Prevaricação e abuso (ou desvio) de autoridade são crimes. Com efeito, a atividade daquele que lida com a segurança pública é deveras importante, mas exige-se sempre o bom senso e o equilíbrio nas ações, até porque estas se refletem como um todo na sociedade. Daí porque o preparo emocional (inclusive sua manutenção constante) e o preparo técnico (jurídico, sobretudo, porque a operacionalidade para a polícia pressupõe, acima de tudo, embasamento jurídico-legal) são lados da mesma moeda.
Primeiro vale dizer que o uso da violência, isto é, da energia/coação arbitrária, ilegal, ilegítima e amadora, estará sempre vedado ao agente do Estado (sobretudo, o policial). Já a força, um ato discricionário, legal, legítimo e idealmente profissional, ainda que intensa, mas desde que proporcionalmente necessária, jamais constituirá violência e logo, é deferida a todos os policiais em dadas circunstâncias fáticas. Diga-se o mesmo quanto ao uso de arma de fogo que só estará autorizado legalmente enquanto último recurso e depois que outros meios resultarem ineficazes.
O uso comedido (proporcional/suficiente, sem excessos) da força é inerente ao trabalho do policial. Todo policial precisa saber dessa possibilidade legal para que possa, com tranqüilidade jurídica, exercer função de preservação da ordem pública. O uso legítimo da força não se confunde, contudo, com a truculência, com a violência. Com efeito, a força legitima (autorizada pelo direito) pode ser até mais intensa, mais agressiva e mesmo assim, ser mais facilmente aceita que a menor das violências. [27]
O uso da arma de fogo contra alguém só está autorizado quando se configurar perigo iminente de morte ou lesões graves, em defesa própria (do policial) ou de outras pessoas. Também está autorizado o uso da força extrema (a arma de fogo) como meio razoável - depende da situação concreta - de se evitar o cometimento de um delito/crime mais grave e que represente séria ameaça para a vida e/ou a segurança pública. Também com o objetivo de deter alguém que represente esse perigo e que oponha injustificada resistência (ordem ilegal pode ser resistida) ou, por fim, para impedir a sua fuga, mas sempre quando outros meios resultarem insuficientes. Nesse último caso, de fuga (de prisioneiro condenado, de mero detido/conduzido ou de simples descumpridor de ordens policiais de parar...), é claro, que, em princípio, autorizado estará exclusivamente o uso da força física: a arma de fogo só mesmo com os demais pressupostos presentes. A fuga em si e a morte do fugitivo em razão disso, não são fatos proporcionais que legitimem a força extrema das armas. Assim, um tiro necessário porque último recurso na situação concreta pode estar autorizado, ser legitimo; enquanto um simples empurrão, ou uma humilhação verbal pode constituir-se em violência, força ilegal, ilegítima, crime, pelo menos, de constrangimento ilegal (art.146, CPB). [28]
Pode-se resumir, para facilitar a introjeçã, o que os pressupostos autorizativos são basicamente: a moderação, a proporcionalidade e o último recurso (esse exige uma gradação de atos de força crescente).Tudo a ser provado judicial e disciplinarmente (processo administrativo disciplinar). Logo o policial há de estar disso prevenido no seu dia a dia.
São esses os pressupostos fáticos e jurídicos (doutrinários, jurisprudênciais e normativos, inclusive no âmbito das Nações Unidas) que poderão, em uma situação concreta subsidiar a defesa e até favorecer decisivamente a absolvição do profissional-policial que vier a se envolver nessa infeliz situação (uso imoderado da força e da arma de fogo). Tais pressupostos autorizantes precisam ser introjetados na mente do policial. As atividades relacionadas à segurança pública e principalmente, à função das instituições policiais são atividades em que se possa sempre utilizar soluções padronizadas para problemas padronizados que ocorrem em intervalos regulares. Não. Trata-se, isso sim, mais da arte de compreender o espírito e a forma da lei, assim como as circunstâncias únicas de um determinado problema concreto a ser resolvido. Espera-se, sempre, que os encarregados da aplicação da lei tenham a aptidão de distinguir entre inúmeras tonalidades de cinza, em vez de apenas fazer a distinção entre preto e branco, certo ou errado. É por isso que a qualidade da aplicação da lei, da polícia, é amplamente dominada pela qualidade dos recursos humanos disponíveis.
Vale dizer, que tortura pode ser, legalmente, um tapa, uns safanões, certos atos humilhantes e aviltantes ao gênero humano: a dor física ou moral/mental de quem está impotente diante da força policial, sempre foi crime de constrangimento ilegal ou lesões corporais, mas desde a Lei nº 9.455/97, trata-se de crime autônomo e bárbaro sobretudo quando praticado por servidores públicos (policiais, p. ex.). São atitude violentas e covardes já porque a vítima não tem como reagir (por mero temor ou impossibilidade física) no ato e sequer depois, eis que são invariavelmente pessoas da camada mais carente da sociedade e que sequer têm noção da ilicitidude dessa violência, de seus direitos e de suas respectivas garantias. São crime de policiais que deviam ser profissionais da prevenção ao crime. Essa prevenção contudo, pode se dar com a prática de outro crime que apequena a grandeza e a utilidade social do trabalho da polícia (polis é raiz ideológica de civilizar [do latim clássico civita], logo policiar é civilizar, o policial é agente da civilização, da virtude social). A tortura, no entanto, não é mal exclusivo das polícias; há tortura (física e psicológica) também entre particulares (inclusive no seio das famílias). Os policiais são os mais citados por estarem no foco, por serem as pessoas que mais lidam com a questão da ordem e segurança nacional.
O foco aqui são aqueles profissionais que não respeitam os ideais e as normas estabelecidas pela polícia, alguns maus profissionais que não se confundem com a corporação e a política de trabalho da polícia. Não há que se generalizar. E também, não há que se preconizar punição para aquele policial, que no uso de suas funções e prerrogativas fazem uso da força e da coação para restabelecer a ordem.
A tortura entre policiais e particulares (os não-policiais) tem por causa, dentre outras: a ignorância, a prepotência e a falta de humanismo (consciência do valor supremo da dignidade do homem).
Nunca é demais recordar que a Segurança Pública é posta, entre nós, como direito e responsabilidade de todos pela própria Constituição Federal em seu art. 144, caput.
Cabe registrar, ainda, os progressos no âmbito da sociedade civil, com o adensamento da consciência sobre a dimensão universal e indivisível dos direitos humanos, o repúdio e a indignação face aos episódios de violações como a tortura. Setores crescentes na mídia, que exercem forte influência na vida brasileira, cumprem papel relevante na fiscalização do respeito aos direitos humanos. As denúncias de tortura e outros tratamentos desumanos feitas por órgãos de imprensa, por ONGs nacionais e internacionais têm repercutido fortemente, contribuindo para mobilizar a opinião pública. De tema secundário, os direitos humanos tornaram-se assunto presente na agenda política nacional. [29]
Direitos Humanos, cada vez mais, também será interesse da polícia, isso é uma conseqüência automática do desenvolvimento e vivência do Estado de Direito.[30]
CONCLUSÃO
O presente trabalho abordou a historia da tortura e sua evolução até os dias atuais. Percebemos que apesar de se confundirem os crimes de tortura e abuso de autoridade, tem suas peculiaridades, e, é percebendo essas peculiaridades que dá pra se julgar e penalizar corretamente a autoridade que excedeu suas prerrogativas.
A tortura é a inflição de castigo corporal ou psicológico violento, por meio de expedientes mecânicos ou manuais, praticados por agentes no exercício de sua funções públicas ou privadas, com o intuito de compelir alguém a admitir ou omitir fato lícito ou ilícito, sendo ou não responsável por ele.
Já o crime de abuso de autoridade, se constitui, quando uma autoridade, no uso de suas funções, pratica qualquer atentado contra a liberdade de locomoção, a inviolabilidade do domicílio, o sigilo da correspondência, a liberdade de consciência e de crença, o livre exercício do culto religioso, a liberdade de associação, os direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto, o direito de reunião, a incolumidade física do indivíduo e, aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.
É sabido que muitas das ações violentas cometidas por parte dos policiais é arbitrária, mas o Estado delega a autoridade policial o uso da força e da arma de fogo. Nem sempre que a autoridade usa da força física é arbitrária, e há que se levar em consideração os casos legítimos do uso da força policial. Caso contrário, a autoridade pratica um dos crimes acima citados.
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Notas:
[1] Trabalho orientado pelo prof. Galvão Rabelo, ** Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viçosa – UFV, pós-graduando (especialização) em Ciências Penais pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Presidente Antônio Carlos, Campus II.
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