Massacres de presos e onda de homicídios gerada por motim de PMs, como no Espírito Santo, indicam aumento da criminalidade e vulnerabilidade da população
postado em 13/02/2017 06:00 / atualizado em 13/02/2017 07:34
O primeiro dia de 2017 foi marcado por um massacre em um presídio de Manaus, que deixou 56 mortos, estarreceu o país e causou repercussão internacional. O que ninguém imaginava é que seria apenas o fio da meada de uma onda de violência que tem deixado os brasileiros amedrontados, com registro de rebeliões em outros estados, motim da polícia, chacinas e outros crimes violentos – homicídios, latrocínios (roubos seguidos de morte) e lesões corporais que resultam em óbito – além de escancarar o descontrole do sistema prisional brasileiro. Pelo menos 126 detentos já morreram este ano em rebeliões em vários municípios.
Nos estados onde as estatísticas de crimes ocorridos neste ano já foram divulgados – pelo poder público, organizações não governamentais ou imprensa local – o aumento de assassinatos já foi detectado. Caso, por exemplo, do Ceará, onde já foram registrados 429 homicídios entre 1º de janeiro e 7 de fevereiro, uma média de 11 homicídios por dia contra a média do ano passado, que foi de 7,7. Em Pernambuco foram 426 mortes violentas – sendo 40 somente entre os dias 20 e 30. Os dados de janeiro somam 13,7 mortes por dia, contra a média de 2016, de 12 assassinatos/dia.
No Rio Grande do Norte, onde também houve grande chacina este ano, foram 208 mortes em janeiro, o que representa um aumento de 40,13% em relação ao mesmo mês do ano passado.
No Pará, foram 409 mortes violentas. Apenas em 22 de janeiro, em Belém, logo após o assassinato, em uma troca de tiros, do policial militar Rafael Silva da Costa, 29, da Ronda Tática Metropolitana (Rotam), ocorreram 30 homicídios.
Modelo
No Espírito Santo, apontado até então como modelo de segurança pública no país, a greve da Polícia Militar deixou 147 mortos e centenas de lojas saqueadas e ônibus incendiados, causando enorme surpresa, já que o estado foi um dos poucos que conseguiu reduzir a criminalidade ao fechar 2016 com a menor taxa de homicídios dos últimos 28 anos. O Acre somou 44 assassinatos no primeiro dia de janeiro, o maior número já registrado no nos últimos quatro anos no mesmo período.
Levantamento da reportagem, feito por meio de notícias sobre balanços e estatísticas, aponta a ocorrência de pelo menos 2.029 mortes em janeiro e na primeira semana de fevereiro.
Na Bahia e em São Paulo duas chacinas deixaram 21 mortos. Na maioria absoluta dos outros estados da federação, as estatísticas sobre esse tipo de crime não são divulgadas mensalmente. Geralmente, o balanço é trimestral ou anual, por isso não há números oficiais de todos os casos registrados no país.
Para o coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (Nevis) da Universidade de Brasília (UnB), Arthur Trindade, que enfrentou uma greve da Polícia Civil quando foi secretário de Segurança Pública e Paz Social do Distrito Federal, a violência do começo do ano faz parte do desvio padrão da segurança pública brasileira, que há tempos sofre com problemas graves, como superlotação dos presídios, encarceramento em massa e falta de políticas e gestão eficazes para combater a criminalidade. Para ele, a cobertura da greve acaba contribuindo para aumentar a sensação de pânico na população, mas os números não devem se manter altos, embora não fora do padrão que vem sendo registrado nos últimos anos.
De acordo com o sociólogo, todos esses problemas registrados no começo deste ano são um reflexo de uma mazela da segurança pública brasileira, que é o ‘”caos do sistema prisional”, e também de outro grave problema, que é a greve das polícias, que torna reféns os governos estaduais. “E têm como pano de fundo a quebradeira (financeira) dos estados e municípios”. O temor, segundo ele, é de que a greve dos policiais se espalhe pelos estados onde a PM remunera muito mal. “É muito possível que essa greve tenha um efeito cascata e se espalhe para outros estados”, alerta.
Desemprego pode agravar violência
Para o pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Daniel Cerqueira, o sistema de segurança no Brasil enfrenta uma crise não é de hoje e a situação pode piorar com o agravamento do desemprego, principalmente entre jovens. Para ele, desde o começo da crise, tem sido verificado um aumento nas taxas de crimes em muitos estados, afirma.
Segundo ele, se os governos não investirem em programas consistentes de prevenção ao crime com o aumento de oportunidades para crianças e jovens em situação de vulnerabilidade – junto à organização de um sistema de repressão qualificada, que privilegie a inteligência policial e o respeito aos direitos de cidadania – as melhores chances de reversão desse quadro se darão apenas a partir de 2023, quando a proporção de homens jovens na população diminuirá muito.
Recorde
Um estudo do Ipea, feito em 2015 sobre cenários da segurança pública no país, aponta uma relação entre a criminalidade e o desemprego, que bateu recorde no Brasil este ano, com 12% da população sem vaga no mercado, principalmente os jovens. Daniel Cerqueira aponta que, a cada 1% de aumento na taxa de desemprego entre os homens, a taxa de homicídio no município tende a aumentar 2,1%.
“Não há dúvida de que o sistema de segurança pública no Brasil está em crise desde a década de 1980. Vários elementos são avassaladores para evidenciar isso, começando pelo assassinato de mais de 60 mil pessoas a cada ano (o que corresponde a 12% do total de homicídios no mundo), passando pela baixíssima taxa de elucidação de apenas 8% dos homicídios (que decreta o atestado de óbito da investigação policial) e chegando ao despreparo e ao excesso de uso da força pelas polícias militares, que vitimam desnecessariamente muitos civis e contribuem, reciprocamente, para morte de muitos policiais”, afirma Daniel, um dos organizadores do Atlas da Violência 2016.
Ele diz ainda que o reflexo da miséria da segurança pública no Brasil é um sistema prisional absolutamente caótico e falido, no qual 40% dos 640 mil detentos nem sequer passaram na frente de um juiz, e o estado é o primeiro a descumprir a Lei de Execuções Penais. “O resultado, para além das tragédias humanas e familiares, é um custo econômico anual que corresponde a 5,9% do Produto Interno Bruto (PIB), ou um desperdício de cerca de R$ 350 bilhões”, afirma o especialista.
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