Quatro meses antes de ter sido encontrada morta, Rafaela
Drumond mandou mensagens para uma amiga em que dizia que estava sendo assediada
por um colega da delegacia de Carandaí.
Por Jornal Nacional
23/06/2023 20h43
Atualizado há 5 dias
A Corregedoria-Geral da Polícia Civil de Minas Gerais
assumiu a investigação do suicídio de uma escrivã que afirmava estar sendo
vítima de assédio moral e sexual no trabalho.
Quatro meses antes de ter sido encontrada morta, Rafaela
Drumond mandou várias mensagens para uma amiga. Em uma delas, reveladas só
agora, a escrivã falou estava sendo assediada por um colega da delegacia de
Carandaí, Zona da Mata mineira.
“Ele ficava dando em cima de mim, dando em cima de mim,
dando em cima de mim”, diz em um dos áudios.
Rafaela segue falando sobre um episódio inclusive durante um
churrasco com colegas.
“Ele começou a falar na minha cabeça. Falar e falar. E eu
não dava ideia. Ele tem mulher e a mulher dele não gosta de mim, tem ciúme. De
repente, ele começou a falar que polícia não é lugar de mulher, que mulher não
é para estar na polícia não, que não serve, não”, diz Rafaela em um outro
áudio.
Rafaela disse que a conversa terminou em agressão.
“Na hora que ele me chamou de piranha, eu falei assim: ‘O
quê?’. Sabe que que ele pegou e fez? Virou a mesa em cima de mim, caiu cerveja
na minha roupa, caiu os negócios que estavam na mesa na minha roupa”.
Logo após ter sido agredida, Rafaela ligou o celular, que
ficou virado para o chão. Mas conseguiu gravar o diálogo com o colega que a
ameaçou.
“Grava e leva para o Ministério Público, para a
Corregedoria... De tudo o que eu falei, ela está preocupada com 'piranha’. É
muito cabecinha fraca”, diz o áudio do colega de trabalho.
Em outro áudio enviado para a mesma amiga, Rafaela disse que
denunciou o caso para o delegado de Carandaí, onde ela trabalhava.
“Falei tudo para o delegado e mostrei esse vídeo e ele:
‘Você vai querer tomar providência?’. Mas ele não queria que eu tomasse
providência. Falei: ‘Não, doutor. Eu não quero tomar providência’. Porque ia me
expor, isso é Carandaí, cidade pequena. Com certeza ia se voltar contra quem?
Contra a mulher. Porque se tomasse providência ia dar merda para o delegado e
ia dar merda para mim também, porque a parte mais fraca sou eu, entendeu?”, diz
Rafaela em outro áudio.
Quatro meses depois, no último dia 9 de junho, Rafaela se
matou. Foi encontrada morta na casa dos pais. Eles contaram que ouviram um
barulho de tiro no quarto da filha. O caso passou a ser investigado pela
Delegacia Regional de Barbacena, que mandou periciar o celular da escrivã.
Na quinta-feira (22), as investigações mudaram de rumo. A
Corregedoria-Geral assumiu o inquérito de forma exclusiva. Segundo a Polícia
Civil, a transferência foi "devido à complexidade da investigação que
apura as circunstâncias da morte de Rafaela” e que "as investigações
continuarão sendo conduzidas de maneira isenta e imparcial”.
Nesta sexta-feira (23), o delegado de Carandaí, Itamar
Claudio Netto, foi transferido para outra cidade. Segundo a polícia, a
transferência foi a pedido dele próprio. Também foi divulgada a transferência
do investigador Celso Trindade de Andrade, outro que trabalhava em Carandaí,
por decisão da Polícia Civil.
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escrivã mineira Rafaela Drumond
O Sindicato dos Escrivães disse que enviou em 2023 à
corregedoria da corporação mais de 20 denúncias de assédio. Na grande maioria,
as vítimas são mulheres.
“As denúncias mais comuns são as denúncias de assédio de
forma geral, principalmente o assédio vertical, que é aquele cometido pelo
chefe contra o subordinado”, diz Marcelo Horta, diretor Jurídico do Sindicato
dos Escrivães de Polícia Civil no Estado de Minas Gerais.
“Ela sinaliza crimes contra a sua honra, crimes contra sua
dignidade sexual e potencializa uma instigação ao suicídio. Agora, se existiu
materialidade e autoria desses crimes, somente as autoridades competentes,
através de uma investigação precisa e imparcial, vai poder chegar a essa
conclusão”, afirma Tiago Lenoir, advogado da família da Rafaela.
Há dois dia, Aldair Divino Drumond, pai de Rafaela, fez um
protesto solitário em uma das regiões mais movimentadas de Belo Horizonte.
“O importante é que tenha transparência e que seja feita
justiça”, disse.
A Polícia Civil de Minas declarou que as denúncias feitas à
Corregedoria são investigadas imediatamente.
O Jornal Nacional não conseguiu contato com Itamar Claudio
Netto e com Celso Trindade de Andrade.
https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2023/06/23/corregedoria-geral-da-policia-civil-de-mg-investiga-o-suicidio-de-escriva-que-afirmava-ser-vitima-de-assedio-moral-e-sexual-no-trabalho.ghtml