Maxwell Simões, o Suel, já estava na mira dos investigadores desde o ano passado
Apontado como cúmplice do sargento da reserva da Polícia Militar Ronnie Lessa, acusado de matar a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes, o sargento do Corpo de Bombeiros Maxwell Simões Corrêa, o Suel, de 44 anos, foi preso, na manhã desta quarta-feira, durante a operação Submersos II. Ele foi localizado num condomínio no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste do Rio. Suel já estava na mira da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) e do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio (MPRJ) desde a prisão de Lessa e do ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, em março do ano passado. De acordo com os investigadores, coube ao bombeiro ajudar, logo após a prisão do sargento, no descarte das armas escondidas por Lessa.
O bombeiro é acusado de ter cedido um carro para a quadrilha de Lessa esconder as armas por uma noite, logo após a prisão do sargento, antes de um de seus comparsas, Josinaldo Freitas, o Djaca, recolhê-las e jogá-las no mar para evitar a apreensão. Uma das armas, cogita a polícia, pode ter sido usada no ataque a Marielle. O veículo de Suel ficou estacionado no pátio do supermercado Freeway, na Barra da Tijuca. Suel tentou plantar falsas testemunhas para esconder a propriedade do carro, mas os investigadores conseguiram desmenti-las.
O delegado Antônio Ricardo Lima Nunes, titular do Departamento Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa (DGHPP), afirmou que espera prender ainda em 2020 os mandantes do assassinato da vereadora e de seu motorista.
— Estamos trabalhando sem descanso para prender os mandantes desse crime. Ao longo dessa investigação já prendemos mais de 65 pessoas, apreendemos dezenas de armas e já existem diversas investigações que se desdobraram. Acreditamos que iremos solicitar esse caso ainda neste ano — destacou o policial.
Pouco depois das 6h, agentes da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), promotores do Ministério Público, agentes da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) e representantes da Corregedoria do Corpo de Bombeiros chegaram à casa do bombeiro em um condomínio de luxo no Recreio dos Bandeirantes. Foi o próprio sargento do Corpo de Bombeiros que atendeu os investigadores. Uma hora depois, ele foi levado para a Delegacia de Homicídios, na Barra da Tijuca, para prestar depoimento.
Entre os alvos de busca e apreensão, está a BMW-X6 que pertence ao bombeiro. Segundo os investigadores, o carro está avaliado em R$ 172 mil. Na garagem da casa, a polícia também encontrou uma lancha. Em relação ao rendimento do sargento, ele também será investigado por lavagem de dinheiro.
— Ele não tem renda compatível para os bens que tem. Durante as investigações, se comprovado, ele poderá responder por lavagem de dinheiro — afirmou.
Além do mandado de prisão de Suel, a Polícia Civil e o MP cumprem dez mandados de busca e apreensão em diversos endereços do Rio. Entre eles, um pertence a um policial militar da ativa. Na manhã desta quarta-feira, os investigadores estiveram no Recreio, em Rocha Miranda, na Vila Vintém, em Bangu. Além disso, os investigadores estiveram em residências de parentes da mulher de Suel.
— Essas pessoas têm envolvimento com o alvo preso hoje. São pessoas que tem correlação com o descartes das armas — afirmou Nunes.
Segundo a Polícia, um suspeito foi ferido com um tiro na Vila Vintém logo após a chegada dos agentes ao local. Ele foi socorrido e preso posteriormente. A identificação dele não foi divulgada.
— Ele não era alvo da ação. Foi uma ação legítima com a participação do MP. Quando chegamos à Vila Vintém, houve um ataque e foi preciso revide. Infelizmente, esse marginal foi alvejado — disse o delegado Antônio Ricardo. O suspeito, que não teve a identidade revelada, foi socorrido, medicado, preso e vai responder por associação para o tráfico de drogas.
Ao todo, 150 policiais participam da ação, que conta ainda com as Corregedorias das polícias Civil e Militar e com a Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), com dois veículos blindados.
Freixo comenta prisão
O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL), amigo e padrinho político de Marielle, parabenizou a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio pela prisão e espera que ela ajude a identificar o mandante do crime:
– A prisão de Maxwell tem muitas relações com quem hoje responde pelo assassinato, o Ronnie Lessa. Eles são parceiros em diversas atividades ilícitas no Rio de Janeiro. É mais um passo importante no enfrenamento ao crime organizado que mistura corrupção de agentes públicos, milícia, escritório do crime e matadores. Esse é um setor apodrecido do Rio e que tem relações com a política. É muito importante a resolução do caso Marielle e esse é um passo muito decisivo nessa investigação. Maxwell está sendo acusado de ocultar provas, mas é possível que ele tenha muito mais conhecimento e um envolvimento ainda maior no caso da Marielle. A gente precisa saber quem mandou matar Marielle.
Crime de obstrução de Justiça
Segundo o Ministério Público, Suel responderá por crime de obstrução de Justiça, pois há indícios suficientes disso quando empresta o carro para que outras pessoas sumam com as armas que podem ter sido usadas no crime.
– Há provas suficientes, no sentido sentido de que ele também participou do crime de obstrução de justiça juntamente com o Ronnie Lessa, juntamente com a Elaine, o Bruno Montalvane e o Josinaldo. O inquérito foi concluído e a denúncia foi recebida e decretada pelo juíza da 19ª Vara Criminal — destacou a promotora Simone Sibilio, chefe do Gaeco.
Ela destacou que ele atrapalhou as investigações ao sumir com provas:
– Ele escondeu várias armas que foram lançadas ao mar. Se a arma do crime, de fato estava lá, não podemos afirmar. O que sabemos é que ele ocultou várias armas. Chegamos a ele após várias provas que estão no processo mostram que ele participou da ocultação –destacou a promotora.
O Gaeco agora vai abrir uma outra investigação para apurar o aumento do patrimônio de Suel.
– Vamos apurar o patrimônio dele em outra investigação – informou a promotora do Gaeco.
Para o delegado Felipe Cury, subsecretário operacional da Polícia Civil, “esse é um desdobramento estratégico do caso Marielle e Anderson”.
– É uma prisão importantíssima. O importante é ressaltar que essa prisão ratifica a decisão dos ministros do STJ em manter a investigação no Rio – disse.
O delegado Daniel Rosa, titular da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) e que está à frente do caso, ressaltou que a investigação é cpmplexa e, por isso, é difícil estimar um prazo para que seja finalizada:
– Essa é uma investigação complexa e não estamos medindo esforços para tão logo solucionar esse caso, o que é o que todo mundo quer. Esse caso é emblemático e estamos tendo vários desdobramentos. É difícil estimar um tempo para solucionar esse fato. Mas, estamos fazendo de tudo para um desfecho positivo.
Em relação ao sargento do Corpo de Bombeiros preso nesta quarta, Rosa afirmou que a investigação mostra que no dia pós a prisão de Ronnie Lessa, os acusados jogaram pelo menos seis fuzis no Quebra-Mar.
– Esse indivíduo forneceu o veículo para os indivíduos jogassem as armas ao mar. Temos várias provas que mostram que ele participou da ocultação. Não há dúvida que eles são ligados na vida do crime e na vida social. Existe expectativa para que ele – disse.
Rosa contou ainda que Suel se manteve calado:
– Ele está com o advogado e não falou nada. Ainda existem mais sete ou oito inquéritos sobre o caso em andamento. Eles jogaram ao mar fuzis que se fossem feitos confrontos balísticos poderíamos desvendar outros tipos de crimes cometidos por esse grupo. Inclusive, um dos fuzis estava com bandoleira. Para quem não sabe, a bandoleira é o acessório que atirador usa para colocar o fuzil no pescoço. Isso mostra que esses fuzis foram usados ou seriam.
Em relação às buscas, o delegado informou que elas foram cumpridas em residências e comércios de suspeitos.
– Cumprimos um dos mandados contra um policial militar que é primo do Ronnie Lessa, que mora ao lado do 9º BPM. Aprendemos documentos e celulares que serão submetidos à perícia – afirmou ele.
Julgamento do pedido de federalização
No fim de maio, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que o Caso Marielle continuasse sendo investigado pelo MPRJ e pela Polícia Civil. No Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), cuja votação ocorreu há duas semanas, ficou decidido pela não federalização das investigações, ou seja, que o caso não ficasse a cargo do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. O IDC tinha sido suscitado pela ex-procuradora-geral da República, Rachel Dodge, em seu último dia no cargo, em 17 de setembro do ano passado.
Componentes de fuzil recolhidos
Os investigadores suspeitam que, além da caixa retirada do apartamento, os comparsas de Lessa recolheram outros componentes de fuzil espalhados por esconderijos do sargento. Como seriam lançados ao mar na manhã do dia seguinte, tiveram de pernoitar dentro do carro cedido por Suel e estacionado no supermercado. Dali, foram levadas para o Quebra-Mar, de onde Djaca partiu para descartar as armas, de acordo com as investigações.
A prisão de Suel foi decretada pelo juiz Carlos Eduardo Carvalho de Figueiredo, da 19ª Vara Criminal, onde o processo de obstrução da investigação relacionado ao descarte de armas de Lessa tramita. Outro processo, que corre na 40ª Vara Criminal, responsabiliza Lessa pelas centenas de peças de fuzis encontradas na casa de Alexandre Motta, amigo de infância do sargento reformado da PM, em 12 de março de 2019, mesmo dia da prisão do acusado de matar a parlamentar e seu motorista. Motta também chegou a ser preso, mas conseguiu um habeas corpus. Em depoimento, ele contou que Lessa havia lhe pedido para guardar as caixas fechadas, sem que soubesse o conteúdo delas, no caso, o armamento apreendido.
Prender Suel era uma questão de tempo, segundo os investigadores, que não tinham dúvidas sobre o envolvimento do sargento na quadrilha chefiada por Lessa. Faltava colher as provas para sustentar o pedido de prisão. De acordo com as investigações, Suel sempre foi o principal parceiro do sargento reformado Ronnie Lessa nos negócios ilícitos, especialmente na exploração de atividades da milícia em Rocha Miranda e imediações, na Zona Norte do Rio, onde ambos se conheceram nos anos 1990.
Suel é a quinta pessoa presa por causa do sumiço das armas. Em outubro do ano passado, a Polícia Civil e o MP cumpriram mandados de prisão contra a mulher do sargento, Elaine Lessa, o cunhado dele, Bruno Figueiredo, Márcio Montavano e Josinaldo Freitas. Na ocasião, eles foram acusados de obstrução de Justiça, porte de arma e associação criminosa. Segundo a Polícia Civil, o grupo teria ocultado armas usadas pelo grupo de Ronnie Lessa, entre elas a submetralhadora HK-MP5, que supostamente teria sido usada para matar Marielle e Anderson.
Em outubro, após a prisão de Elaine e dos outros três envolvidos, a promotora Letícia Emile, do Gaeco, explicou que o apartamento de Lessa já havia sido esvaziado quando foram cumpridos os mandados de busca e apreensão, no dia seguinte à prisão de Lessa. De acordo com Letícia, “o Márcio (Montavano), poucas horas antes, teria retirado de lá uma caixa enorme”. O cunhado do sargento, conclui a investigação, foi quem deu o comando para que tudo fosse retirado de lá. “Josinaldo”, diz texto, “teria sido acionado para se desfazer de todas as bolsas. Ele contratou um barqueiro para levá-las a alto-mar”, contou a promotora.
Desde então, o MP e a Polícia trabalham com a possibilidade de que outras caixas com armas teriam sido escondidas. Foram feitos 28 mergulhos para procurar os armamentos no mar, sem resultados.
Outros alvos da polícia
Além de Suel, os investigadores chegaram a outros três parceiros de Lessa em negócios ilícitos: os policiais militares da ativa Pedro Bazzanella e Maurício da Conceição Júnior. O primeiro chegou a prestar depoimento no dia 1º de fevereiro de 2019, na DH, no mesmo dia de Élcio, antes que este fosse preso. Na ocasião, os investigadores fizeram o monitoramento da dupla, seguindo-os da delegacia até o ponto de encontro deles com Ronnie Lessa, no Bar e Restaurante Resenha. O grupo foi fotografado pela equipe da DH e, segundo o relatório de Giniton sobre o caso, os três teriam combinado o que falariam na delegacia, antes e depois do depoimento.
O relatório com as imagens do encontro foram anexadas ao processo. Em certo trecho da denúncia do Gaeco, a promotoria classifica o encontro: “ Tal proceder se revela assaz preocupante, denunciando indícios de manipulação de depoimentos”.
A denúncia aponta ainda que Élcio chega a falar, em seu depoimento, que se encontrou com Bazzanella antes, mas não revela que Ronnie Lessa estava presente. Bazzanella também, por sua vez, omite a presença do sargento reformado da PM em seu depoimento. Além disso, ele voltou ao bar onde permaneceu por mais de uma hora, “restando inconteste que o denunciado (Lessa) acompanha, de perto, a investigação policial do caso Marielle”.
Os investigadores também encontraram fortes indícios de que Carlos Eduardo de Almeida da Silva, o Cadu, e Márcio José Rosa de Carvalho pertencem à organização criminosa de Ronnie Lessa, que atua como chefe do bando. O próprio fato de os integrantes se reunirem com Lessa no antigo Bar e Restaurante Resenha já demonstraria essa formação hierárquica. Diálogos captados em interceptações telefônicas e informações advindas de quebras de sigilo de dados telemáticos (pelas contas de provedores da internet) revelaram a relação entre eles.