Contrabando, narcotráfico e formação de milícia, crime atribuídos a policiais e que fizeram o sistema "cortar na própria carne"
“Infelizmente, temos que cortar na própria carne”. A frase dita pelo delegado Jairo Carlos Mendes, corregedor-geral da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, exemplifica o ano de 2019 dentro das forças policiais. Muitos dos que deveriam proteger a população, investigar e prender criminosos, optaram pelo caminho da ilegalidade e acabaram conhecendo a prisão de forma mais íntima, pelo lado de dentro.
A “autoflagelação” foi citada por Jairo Mendes em junho deste ano, quando a Corregedoria da Polícia Civil prendeu o delegado Eder Oliveira Moraes, titular do 1º DP de Aquidauana, mentor do furto de 101,8 quilos de cocaína pura de dentro da delegacia. Na operação, outras 11 pessoas foram presas, entre eles, uma advogada e presos do semiaberto.
A investigação apurou que Moraes arquitetou o plano do furto da droga: definiu as datas de subtração, o trajeto e deixou a janela basculante aberta.
Na denúncia ofertada pelo MPMS (Ministério Público de MS), consta que o alto valor no mercado “levantou a cobiça” do delegado. O quilo da droga foi orçado por comparsas dele por R$ 5 mil, o que alcançaria a soma de meio milhão de reais. Antes desse processo, Eder Oliveira Moraes já respondia a outros três, um deles por estupro de vulnerável e outros dois relacionados ao desvio de 68 bezerros.
Assassinato - A prisão de Eder aconteceu pouco mais de três meses depois de outro episódio que colocou atrás das grades um delegado de Polícia Civil no Estado. No dia 29 de março, Fernando Araújo da Cruz Júnior, 34 anos, que atuava na Daiji (Delegacia de Atendimento à Infância, Juventude e do Idoso) de Corumbá, vizinha à Bolívia, foi preso preventivamente pela morte do boliviano Alfredo Rangel Weber, dentro de uma ambulância. Réu pelo crime, o delegado cumpre preventiva no Presídio Militar em Campo Grande.
As investigações revelam trama de coação de testemunhas, plano para explodir delegacia e até a conivência de autoridades bolivianas. Entre elas estava o ex- coronel Gonzalo Medina Sánchez, preso em maio por envolvimento com o tráfico de drogas.
Ainda em junho deste ano, mais problema para a Polícia Civil com a troca de lado de um de seus integrantes. Após determinação de varredura nas delegacias, a Corregedoria descobriu outro furto de droga: o investigador Eduardo Luciano Diniz, lotado em Itaquiraí, foi acusado da subtração de 112 quilos de maconha. Os fardos guardados na delegacia foram substituídos por pacotes de menor qualidade e levados para comparsas em um assentamento rural. O policial se entregou em julho.
O narcotráfico também derrubou o cabo da PM (Polícia Militar) Edivaldo Leão de Souza, 30 anos. Fardado e armado com pistola .40, tentou transportar 125 quilos de maconha. O flagrante foi em março, na BR-163, em Campo Grande.
Os pacotes foram encontrados no fundo falso do carro conduzido por ele. Lotado no 4º Batalhão da PM, o militar já havia respondido processo por inserir dados falsos no banco de dados da administração pública para obter vantagem indevida, mas não foi expulso da corporação.
Máfia – o contrabando de cigarros atraiu igual cobiça de outros policiais em Mato Grosso do Sul. Durante o ano, operações da PF (Polícia Federal) e PRF (Polícia Rodoviária Federal) descobriram esquemas em que a participação de integrantes das polícias Civil, Militar e Rodoviária era primordial para a passagem da carga dos cigarreiros.
Em julho, dois PRFs foram presos na Operação Trunk: Moacir Ribeiro da Silva Netto e Alaércio Dias Barbosa. Nas gravações, o posto da PRF em Dourados, na BR-163, era chamado de “casinha” pelos contrabandistas. Com o dinheiro da propina, Alaércio teria arrendado o Prime Motel e Pousada, localizado em Ponta Porã.
Um mês depois, a Operação Nepsis da PF prendeu outro policial rodoviário. Wilson Luiz trabalhava no posto de Rio Brilhante e fazia vista grossa para a passagem do contrabando de cigarro.
Em Sidrolândia, o alvo dos policiais corruptos era mais diversificado, incluindo na lista dinheiro, notebooks, armas de pressão e até pneus de motos, material apreendido nas barreiras e confiscados irregularmente pelos suspeitos. Seis PMs foram presos em setembro na Operação Ave Maria da corregedoria. O nome da ação faz alusão à bandeira do município, que tem a frase religiosa.
Omertà – Na operação mais polêmica do ano, também não poderia faltar o envolvimento de policiais no esquema de formação de milícia encabeçado por Jamil Name e Jamil Name Filho. No dia 27 de setembro, quando o Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) e a Garras (Delegacia de Repressão a Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros) deflagraram a ação, quatro policiais civis foram presos: Elvis Elir Camargo Lima, Frederico Maldonado Arruda, Márcio Cavalcanti da Silva e já aposentado Vladenilson Daniel Olmedo.
A relação com os Name era corriqueira, segundo depoimento de Elvis Elir e Frederico Maldonado: por cortesia, traziam encomendas, como whisky, vinhos, cobertores e palmitos. Para o Gaeco, eles são responsáveis por crimes de organização criminosa armada, formação de milícia privada, corrupção ativa de servidores públicos, tráfico de armas e extorsão.
No mês passado, mais uma baixa. O escrivão Rafael Grandini Salles, que dividia casa em Ponta Porã com os policiais acusados de integrar a milícia, foi preso, pela posse de 45 gramas de cocaína e munições contrabandeadas. Ele diz que o quarto onde a droga foi encontrada era usado por Vladenilson e Frederico.
Na maioria dos listados nesta reportagem, os policiais permanecem presos, distribuídos em celas de delegacias em Campo Grande e no Presídio Federal de Mossoró (RN).
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