O Ministério Público vai dar prosseguimento à investigação que culminou na prisão de 12 policiais militares na manhã de ontem em Natal. A suspeita é de que os PMs possam estar ligados à prática de homicídios e extorsões a comerciantes, o que configuraria a existência de uma milícia na zona Oeste.
As acusações pelas quais eles foram detidos são de omissão proposital para recebimento de vantagens do tráfico de drogas e outras atividades criminosas, e cobrança de dinheiro ou pertences para liberação em casos de autos de flagrante.
A Operação Novos Rumos, que ganhou esse nome por ter a pretensão de dar um novo caminho à Polícia Militar, foi deflagrada no início da manhã de ontem numa parceria entre o Ministério Público e a própria Polícia Militar.
A ação resultou na prisão preventiva de 12 policiais que integram os quadros do 9º Batalhão da Polícia Militar, responsável pelo patrulhamento na Zona Oeste da cidade. Todos eles são cabos ou soldados da PM, de acordo com o comando Geral da corporação.
Eles são suspeitos de praticarem vários crimes nas comunidades da ZO. Os promotores relataram que não conseguiram precisar desde quando essas práticas aconteciam no 9º BPM. “Mas sabemos que há muito tempo”, afirma o promotor Sílvio Brito, que participou da operação.
De acordo com ele, os policiais militares extorquiam pessoas abordadas por eles em flagrante para liberá-las sem registras a ocorrência. “As vantagens variavam, não era nada fixo”, acrescenta. Segundo o MP, os PMs cobravam, além de dinheiro, celulares, notebooks, armas, perfumes e até queijos, objetos que eram frutos de roubos. “Eles já entravam de serviço pensando como iam realizar essas extorsões”, afirma Sílvio Brito.
Em uma das ocasiões, ainda de acordo com o que informou o Ministério Público, um homem foi flagrado pelos supostos policiais corruptos em um crime de receptação de material roubado. Para não registrar o flagrante de delito, os PMs teriam cobrado cinco iPhones e mais R$ 2 mil. O acordo foi feito e o suspeito liberado.
De acordo com o Ministério Público, o grupo também cobrava vantagens de traficantes que atuam na zona Oeste. O dinheiro não tinha preço fixo e dava a garantia de que eles poderiam comercializar os entorpecentes na área sem que sofressem intervenção policial.
O mesmo acontecia com as casas de bingo e outros jogos de azar. Segundo levantou o MP, os estabelecimentos ilegais também pagavam propina para garantir o funcionamento sem medo de apreensões. “Todo aquele que estivesse transgredindo a lei dentro da área deles tinha que pagar para continuar a transgredir”, complementa Sílvio Brito.
Em caso de negativa aos pagamentos, os próprios policiais realizavam o serviço que é seu por lei: prender quem comete as ações delituosas. “Prendiam até pagarem, ou prendiam e levavam o caso para frente se não recebessem o que desejavam. Até para legitimar essa ação deles: ou se paga, ou vai para a cadeia”, acrescenta Brito.
Há ainda relatos de armamentos apreendidos pelos grupos que não foram encaminhados à Justiça. “A gente não pegou situação de comércio de arma, mas pegou situação de apreensão de arma em que o policial deixou de autuar e ficou com o armamento para ele”, revela o promotor Sílvio Brito.
O MP se embasa em interceptações telefônicas para as acusações contra os 12 policiais. Entre as escutas, de acordo com o que relatou o promotor da 11ª Promotoria de Justiça Criminal da Auditoria Militar, Jorge Tonel, os promotores identificaram ligações em que membros do grupo combinavam prisões criminosas que agem na região, para “brilhar a estrela”. “Para ficarem bem vistos na comunidade”, explica.
 Ainda segundo o que foi levantado pelo MP, a conduta do grupo de policiais era alvo de repulsa e indignação dos demais PMs do batalhão, que não compactuavam com o esquema. Havia, inclusive, conflitos entre os supostos corruptos e os colegar de trabalho que discordavam de seus métodos, contudo eles desdenhavam da posição dos ditos honestos.
Nos áudios captados durante as investigações, os promotores ouviram conversas entre os policiais presos em que eles tiravam sarro com até com os seus superiores.
O promotor Sílvio Brito contou à reportagem que um dos policiais que havia adquirido uma caminhonete de luxo debochou de um colega que lhe orientou sob a afirmativa de que a honestidade é a maior virtude de um PM. “Honestidade é a minha caminhonete nova”, disse o policial ao contar o episódio aos colegas numa ligação, de acordo com o MP.
Questionados se as investigações se estenderam para outras unidades da Polícia Militar, além do 9º Batalhão, os promotores afirmaram que não. O MP chegou ao grupo enquanto investigava traficantes que agem na Zona Oeste. Como as apurações se debruçavam somente sobre aquela região administrativa de Natal, não houve intervenções em outras localidades.
As investigações continuam e o Ministério Público acredita que, com a prisão os 12 PMs, mais gente da comunidade procure o órgão para realizar mais denúncias. Não há confirmação, mas como crimes de homicídios e esquema de atuação em modelo de milícias são comuns onde há prática ilegal dos agentes da lei, os temas deixam de orelhas em pé os promotores, que não descartam essa possibilidade.
“Eles estavam o tempo todo extorquindo as pessoas, tomando coisas delas. É possível que em algum momento, ao longo dos anos, eles tenham cometido crimes como esses”, afirma Sílvio Brito.