Três anos depois da prisão de 19 policiais militares na Operação Sexto Mandamento, desencadeada pela Polícia Federal em fevereiro de 2011, nem réus nem a Justiça nem as famílias das vítimas sabem ao certo quando vão ocorrer os julgamentos nas cinco comarcas para onde partes do inquérito-mãe foram encaminhadas.
O inquérito principal da Polícia Federal, que apurou a participação dos militares goianos em um grupo de extermínio responsável por mais de 40 mortes nos últimos dez anos, atribuiu a eles a responsabilidade por diversos crimes.
Na época a PF divulgou que os militares eram suspeitos de crimes de homicídio, ocultação de cadáver, formação de quadrilha, tortura qualificada, falso testemunho, prevaricação, fraude processual, posse ilegal de arma de fogo de calibre restrito e ameaça contra autoridades públicas, jornalistas e testemunhas.
O inquérito-mãe da Polícia Federal, que deu origem ao pedido de prisão dos 19 militares e onde estão contidas escutas telefônicas autorizadas pela Justiça e depoimento de testemunhas acabou sendo dividido entre as comarcas de Goiânia, Rio Verde, Formosa, Alvorada do Norte e Acreúna.
Segundo o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) foram oferecidas 19 denúncias, que se converteram em ações penais, das quais nove em comarcas do interior e dez em Goiânia. Todas são contra militares que integravam em alguma escala o grupo atingido pela Operação Sexto Mandamento.
“Por ser um inquérito que envolve muita gente - são 19 réus - dezenas de advogados, ainda estamos na fase de inquirição de testemunhas. Como não tem nenhum réu preso, não há prioridade na tramitação. Não temos nem previsão de quando será o julgamento”, contou o juiz Jesseir Coelho de Alcântara, da 1ª Vara Criminal de Goiânia.
Procurado pelo POPULAR, o delegado regional executivo da Superintendência da Polícia Federal em Goiânia, Umberto Ramos Rodrigues, não respondeu aos questionamentos sobre o inquérito até a noite de sexta-feira. Segundo a assessoria de comunicação social da PF em Goiânia, nenhuma peça relativa a Operação Sexto Mandamento ainda tramitava na superintendência.
Militares ouvidos pelo POPULAR se dizem inconformados. “Essa operação acabou com a nossa reputação e fez com que nossas carreiras ficassem estagnadas”, explicou o tenente-coronel Ricardo Rocha Batista, um dos principais personagens dessa história.
Funções sem destaque
Dos 19 presos na operação, a maioria dos militares trabalha hoje em funções de menor destaque dentro da corporação. O coronel Carlos Cezar Macário, na época subcomandante geral da Polícia Militar, está atualmente na reserva remunerada e tem planos de disputar um cargo político na eleição deste ano.
Outro que afastou-se da função policial foi o subtenente Hamilton Costa Neves, que está à disposição da Junta Médica da PM, com problemas psicológicos. “Ele nunca se recuperou do trauma de ficar preso em um presídio federal”, contou o major Alessandri Rocha Almeida, que hoje é assessor parlamentar da PM em Brasília (DF).
Ricardo Rocha, que já comandou as Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (Rotam), é atualmente responsável pelo Setor de Motomecanização do Comando de Apoio Logístico (CAL).
Alessandri reclama da estagnação na carreira. Major há oito anos, já teria o direito de ser promovido a tenente-coronel por antiguidade. Em entrevista exclusiva sobre o assunto ao POPULAR, o coronel Sílvio Benedito Alves, comandante-geral da Polícia Militar, adiantou que o major Alessandri encabeça a lista de promoção a tenente-coronel pelo critério de antiguidade, o que deve acontecer em julho deste ano. “Por merecimento, nenhum pode ser promovido, mas por antiguidade pode”.
Os 19 presos da Operação Sexto Mandamento foram transferidos um dia depois para o Presídio Federal de Campo Grande (MS), o que, segundo eles configurou abuso de autoridade por parte dos juízes que decretaram as prisões, pelo descumprimento da legislação acerca das prerrogativas militares que determinam a prisão de militares em presídio militar no estado. O coronel Macário, o tenente-coronel Ricardo Rocha e o major Alessandri representaram contra os juízes na Corregedoria do Tribunal de Justiça.
De 19 ações penais, apenas 2 têm sentença
O “inquérito-mãe” (IP Nº 290/2010, da Polícia Federal), que é a Operação Sexto Mandamento, reuniu, a pedido do Ministério Público (MP) estadual, as investigações sobre crimes como homicídios e desaparecimentos, envolvendo policiais militares, que resultaram em 19 ações penais tramitando no Judiciário contra policiais que integravam os grupos apontados nas investigações. Destas, dez estão em comarcas do interior. O POPULAR acompanhou a situação de todas as ações penais abertas fora de Goiânia: apenas uma, da comarca de Iporá, teve sentença; três – duas em Rio Verde e uma em Alvorada do Norte – estão em segredo de Justiça; uma foi arquivada ou extinta e as outras cinco seguem em tramitação, sem previsão de julgamento.
O promotor de Justiça Vinícius Marçal Vieira confessou ao POPULAR que gostaria que a instrução das ações penais fosse mais rápida. “Sabemos que são situações de muita dificuldade, devido ao grau de profissionalismo nas ações, assim como temos ciência de que não são crimes que aconteceram às claras e o desaparecimento forçado de pessoas é um dos mais difíceis de provar”, reconhece Marçal, que na época das investigações integrava o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e hoje é coordenador do Centro de Apoio Operacional (CAO) Criminal do MP goiano.
Marçal cita como exemplos dois casos emblemáticos: a desocupação do Parque Oeste Industrial, em Goiânia, em fevereiro de 2005, quando dois ocupantes foram mortos por policiais militares e o desaparecimento de Paulo Sérgio Pereira Rodrigues e Murilo Soares Rodrigues, em abril daquele ano, em Aparecida de Goiânia. No primeiro, a Justiça entendeu que não estava suficientemente demonstrada a autoria. “Para haver um julgamento por homicídio, basta que haja indícios, porque o juiz é o povo, por meio do júri popular”, diz o promotor. Já o caso Murilo está no Superior Tribunal de Justiça (STJ), depois que a Procuradoria de Recursos do MP recorreu. “Exigir flagrante em todos os casos assim é exigir a ‘prova diabólica’”, afirma Marçal, em alusão ao jargão que significa prova impossível.
Segredo
Um dos casos mais emblemáticos relacionados à ação de grupo de extermínio, objeto da Operação Sexto Mandamento, foi o homicídio qualificado de Higino Carlos Pereira de Jesus, o Gininho. É um dos que estão em segredo de Justiça, sobre o qual a reportagem conseguiu poucas informações. Os réus são Ricardo Rocha Batista e outros. Em 26 de fevereiro de 2010, Gininho foi assassinado e desapareceram Pedro Nunes da Silva e Cleiton Rodrigues. Quando os delitos foram objeto de denúncia, o processo não teve seguimento imediato, pois a comarca de Alvorada do Norte não dispunha de promotor nem de juiz, conforme relatório do MP.
São réus na ação, além de Ricardo Rocha, Wanderley Ferreira dos Santos, Geson Marques Ferreira, Gilson Cardoso dos Santos, Francisco Emerson Leitão de Oliveira, Ederson Trindade e Lourival Torres Inêz. A última informação sobre o andamento do processo é de maio de 2013, quando a promotora responsável informou que aguardava laudo do Instituto de Criminalística relativo à confrontação do DNA dos pais da vítima com o material genético encontrado no carro de um dos militares, supostamente usado para o crime, além de exame de balística. Isso três anos e três meses após os desaparecimentos e o assassinato.
Outros dois casos que estão em segredo de Justiça são de Rio Verde, cidade onde Ricardo Rocha foi comandante regional e que tem casos relacionados à Operação Sexto Mandamento, entre eles, a morte de cinco dos dez presos que fugiram da cadeia local. O único que tem sentença transitada em julgado ocorreu em 1991. A decisão é de 1997. O condenado, Ricardo Rodrigues Machado, está foragido.
Para comandante, trabalho deixou marcas profundas na PM
A Operação Sexto Mandamento, da Polícia Federal, deixou marcas profundas na Polícia Militar. Hoje, três anos depois da ação, o coronel Sílvio Benedito Alves, comandante-geral da PM, lembra o quanto a prisão dos 19 militares fez com que a autoestima da tropa ficasse abalada. “Foi chocante para a PM. Ninguém esperava uma cena daquelas. Até o subcomandante-geral foi preso”, disse. Para ele, a demora no julgamento da ação é prejudicial não apenas para os militares envolvidos e para a instrução penal, mas para a própria corporação.
“Precisamos saber quem é ou não culpado. Pelo que sabemos, nenhum foi nem indiciado até hoje.” A informação seria da Corregedoria da PM repassada ao comandante-geral.
O coronel Sílvio criticou a própria ação da Polícia Federal ao dizer que a única coisa que fez foi juntar vários inquéritos e processos já existentes contra militares goianos e realizar a operação, como se existisse um grupo de extermínio na corporação.
Oficial diz que vida foi devassada
O tenente-coronel Ricardo Rocha Batista, uma das figuras mais emblemáticas da Polícia Militar, disse ao POPULAR que a Operação Sexto Mandamento fez uma devassa na vida dele, atribuindo a ele mortes cometidas fora do exercício profissional. “As pessoas que eu matei eu estava trabalhando e ocorreram em confronto com bandidos. Vou responder pelas mortes em que eu estava. Por outras, não”, afirmou.
Ricardo Rocha foi preso em cumprimento a quatro mandados de prisão referentes a casos ocorridos em Alvorada do Norte, dois em Rio Verde - em um já foi absolvido - , e um em Goiânia.
“Minhas filhas, que sempre viram o pai delas prendendo bandidos, um dia viram o pai sair algemado de casa e ficar quatro meses em um presídio federal e outros cinco no presídio militar. Não foi fácil”.
Hoje, trabalhando em uma divisão do Comando de Apoio Logístico (CAL) da PM, está indignado. “O inquérito da Polícia Federal não tem nem relatório final, ninguém indiciado, ninguém processado.” Segundo ele, a operação teve motivação política e tinha como alvo dois ex-secretários de estado, ouvidos no inquérito.5285
Coronel lembra início das mortes
“Em 1985, quando a gente dava flagrante em ladrão ele ia preso. Ia da Casa de Prisão Provisória para o Cepaigo (hoje Penitenciária Odenir Guimarães), mas a partir de 2003, começou essa promiscuidade de prende e solta, bandido começou a ameaçar o policial e começaram a surgir matadores em cada batalhão da Polícia Militar.” A afirmação é do coronel Carlos Cezar Macário, ex-subcomandante-geral da PM preso na Operação Sexto Mandamento.
Segundo ele, não existia grupo de extermínio na Polícia Militar, não tinha um líder. “Quando a gente prendia e o bandido ficava preso não tinha isso”, ressalta. Macário foi preso em casa, pela PF e pelo então comandante-geral da PM, coronel Raimundo Nonato. “Fui preso sem saber por qual crime. Fiquei em um presídio federal, em uma cela de 4 por 2 metros quadrados, 22 horas por dia, por quatro meses. Quase enlouqueci”.
O coronel disse que a operação só teve a intenção de desmoralizar a Polícia Militar e que por causa dela a criminalidade cresceu em todo o estado. “Os bandidos fizeram a festa. A quem interessou essa operação?”
Fonte: Jornal O Popular
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