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domingo, 28 de novembro de 2021

Funai é condenada por montar ‘campo de concentração’ indígena

 Decisão condenou ainda a União e o Estado de MG por violações dos direitos humanos durante a ditadura

Um índio foi mostrado no pau-de-arara em Belo
Horizonte, durante solenidade de formatura da primeira
turma do 'reformatório' em 5/2/1970 -
Foto: Jesco von Puttkamer. Fonte: Jornalistas Livres

A reportagem é de Aloisio Morais, publicada por Jornalistas Livres, 16-09-2021.

A juíza Anna Cristina Rocha Gonçalves, da 14ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Minas Gerais, condenou a União, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o estado de Minas Gerais pela prática de graves violações dos direitos humanos de povos indígenas ocorrida durante a ditadura militar. A decisão diz respeito à instalação do “reformatório Krenak”, uma espécie de campo de concentração de índios dessa e de outras etnias, à criação da Guarda Rural Indígena (Grin) e à transferência de índios Krenak da região da cidade de Resplendor, no Vale do Rio Doce, em MG, para a fazenda Guarani, no município de Carmésia, MG, a cerca de 300 quilômetros.

A descoberta da escola especializada a ensinar técnicas de torturas a indígenas foi feita pelo jornalista livre Marcelo Zelic, caso apurado pela Comissão Nacional da Verdade que acabou originando a ação na Justiça.

União deverá reunir e sistematizar toda a documentação relativa “às graves violações dos direitos humanos dos povos indígenas e que digam respeito à instalação do reformatório Krenak, à transferência forçada para a fazenda Guarani e ao funcionamento da Grin. As informações deverão ser publicadas na internet. Além disso, União, Funai e estado de Minas deverão promover uma cerimônia pública para reconhecer as graves violações de direitos dos povos indígenas, seguida de pedido público de desculpas ao povo Krenak.

Funai também foi condenada a concluir um processo administrativo referente à identificação e delimitação da Terra Indígena Krenak de Sete Salões, em Conselheiro Pena, no médio Rio Doce. Após a conclusão, deverá também estabelecer ações de reparação ambiental das terras degradas pertencentes aos Krenak.

 

Reformatório

 

reformatório Krenak era um centro de detenção e de custódia indígena criado em 1969 e que abrigou, até 1972, centenas de indígenas considerados rebeldes levados de vários estados do Brasil pela Grin. Os Krenak, que viviam no local, passaram também à condição de detidos, aumentando ainda mais o contingente. Os índios chegavam ao reformatório Krenak sem uma “pena” previamente definida a cumprir. Assim, o tempo de permanência dependeria de uma análise da autoridade responsável pelo estabelecimento.

Na verdade, a Grin era uma espécie de milícia armada criada pela Funai e integrada por índios de etnias variadas, que faziam “ações de policiamento” e mantinham a “ordem interna”, coibindo o uso de bebidas alcoólicas e evitando que os índios abandonassem suas áreas para praticar assaltos e pilhagens na povoações e propriedade rurais próximas.

“Se um militar queria uma índia, ela tinha que dormir com ele e o marido ficava preso. E isso aconteceu muitas vezes. O próprio capitão Pinheiro vinha de vez em quando na aldeia Krenak e praticava estes atos de violência sexual contra as mulheres”, contou Douglas Krenak. “Não tinha juiz, não tinha advogado, não tinha Justiça, não tinha nada. O capitão Pinheiro era quem decidia quem ia para a cadeia e quanto tempo ficava”, disse a indígena Maria Júlia, em depoimento.

Em 1972, parte dos indígenas foram transferidos do reformatório para a fazenda Guarani, no município de Carmésia, a mais de 300 quilômetros de distância, na região do Vale do Aço de Minas. O exílio forçado teve como objetivo liberar terras para posseiros. Há relatos de que diversos índios, contrários à transferência, foram amarrados e enviados à força.

A sentença foi proferida pela Justiça Federal após denúncia apresentada em 2019 pelo Ministério Público Federal (MPF) em Governador Valadares. O órgão pediu a condenação do capitão reformado Manoel dos Santos Pinheiro com a perda de patente e aposentadoria, e dos entes federais e estaduais pelos crimes de genocídio contra a etnia Krenak. Segundo a denúncia, o policial é responsável por diversas violações aos direitos humanos praticadas contra os Krenak, com o objetivo de destruição do grupo étnico, no contexto da criação da Guarda Rural Indígena (Grin), da instalação de um presídio chamado de “Reformatório Krenak” e do deslocamento forçado para a fazenda Guarani, no município de Carmésia, que também funcionou como centro de detenção arbitrária de indígenas.

“Nesses três episódios, ocorridos durante o regime militar, o Estado brasileiro praticou graves violações a direitos humanos contra os Krenak, povo indígena que ocupava terras situadas à margem esquerda do Rio Doce, no município de Resplendor, região leste de Minas Gerais. As violações levaram ao adoecimento psíquico de integrantes da etnia a partir de um processo de traumatização psicossocial coletiva. Também foram violados direitos culturais, reprodutivos e territoriais, dificultando nascimentos no seio do grupo e criando sérios obstáculos à reprodução física, social e cultural do grupo indígena”, detalha o MPF.

 

Tortura

 

Um detalhe destacado pelo órgão foi que, durante a solenidade de formatura da 1ª turma da Guarda Rural Indígena (Grin), realizada em Belo Horizonte, estavam presentes o então governador de Minas, Israel Pinheiro, o seu secretário estadual de Educação, José Maria Alkmin, que foi vice-presidente da República entre 1964 e 1967, e de outras altas autoridades federais. “Durante o desfile, foi exibido um índio dependurado em um pau-de-arara. A cena, que foi filmada, é a única registrada no Brasil que mostra, em um evento público, um ato de tortura”, lembra a denúncia.

Para o Reformatório Krenak foram enviados indígenas de mais de 15 etnias, oriundos de ao menos 11 estados das cinco regiões do país. No comando do Reformatório Krenak, o capitão Pinheiro administrou suas instalações e a ocupação militar das terras Krenak, sendo também o responsável pela remoção compulsória, em 1972, dos indígenas para a fazenda Guarani, a partir de uma permuta realizada com a PMMG, que era a proprietária da fazenda.

Lá, em Carmésia, os indígenas eram aprisionados por diversos motivos, como embriaguez, manutenção de relações sexuais e saída não autorizada da terra indígena, além de serem submetidos a trabalhos forçados, tortura e maus tratos. Havia ainda no local uma espécie de solitária, que eles chamavam de “cubículo”, onde eram mantidos dia e noite com água pingando sobre eles, como forma de punição.

Para os procuradores da República Lilian Miranda Machado e Edmundo Antônio Dias, autores da denúncia, a intervenção militar conduzida pelo acusado sobre o território dos Krenak causou a destruição sistemática do modo de vida do grupo indígena, ocasionando a desagregação social e cultural desse povo. “Percebe-se, portanto, que atuação incisiva do oficial reformado, diretamente ou por meio dos guardas da Grin e dos militares, todos a seu comando, deu-se com o objetivo nítido de controlar o comportamento dos índios Krenak, limitando seu direito de reprodução, de ir e vir e de cultuar suas tradições, na ânsia de destruir esse grupo étnico indígena, cuja extinção não ocorreu devido à enorme capacidade de resistência demonstrada pelos indígenas”, destacaram na denúncia os procuradores.

 

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