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quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Policiais que moram em favelas escondem a profissão

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02 de dezembro, 2002 - Publicado às 18h20 GMT
Policiais que moram em favelas escondem a profissão
Policiais são acusados de excesso de violência
Policiais são acusados de excesso de violência
Rafael Gomez, do Rio de Janeiro

Eu o encontrei na sede do sindicato dos policiais civis do Rio, no centro da cidade - bem longe da favela da Rocinha, onde ele vive há 28 anos com a família. Conversar no centro é mais seguro do que na Rocinha, onde, se ele for descoberto por traficantes, poderá ser morto.

Por medo, poucos policiais que vivem em favelas aceitam falar com a imprensa. Nesse caso, também foi difícil encontrar minha testemunha. Se não fosse a intervenção de um amigo dele, que eu já havia entrevistado para a reportagem, eu não o teria convencido.

Carlos (o nome verdadeiro foi omitido por questões de segurança) chegou acompanhado da filha e nem esperou que eu fizesse a primeira pergunta para começar a falar sobre a difícil situação que ele e milhares de policiais no Rio de Janeiro enfrentam.

"Quem tem medo não pode viver naquele lugar. Eu procurei não ser assombrado, porque quem vive assombrado pode até matar uma pessoa", disse.

Sobrevivente

Carlos está hoje aposentado. Mas durante anos foi obrigado a esconder dos vizinhos o fato de que era policial civil. Aos amigos da Rocinha, dizia apenas que era corretor de imóveis, uma ocupação paralela que tem.

Quem tem medo não pode viver naquele lugar
Carlos, policial civil aposentado
Segundo ele, ninguém nunca desconfiou. "Eles me viam assim, forte, mas nunca (desconfiaram). Ninguém também mexia comigo e se mexia eu sempre conversava e resolvia o problema."

Outros policiais, porém, são descobertos. E muitos não sobrevivem para contar suas histórias.

Segundo um levantamento feito pela Secretaria da Segurança Pública do Rio de Janeiro, até setembro deste ano 110 policiais civis e militares já haviam sido assassinados no Estado, a maioria em suas horas de folga.

Se comparado com dados relativos ao mesmo período em anos anteriores, o número de policiais mortos aumentou.

Fernando Bandeira, presidente do sindicato dos policiais civis do Rio, acha que 10 mil policiais da corporação na ativa, ou cerca de 20% do efetivo, vivem hoje em favelas ou comunidades carentes dominadas pelo tráfico. Entre os cerca de 3.500 aposentados, aproximadamente mil, como Carlos, também vivem com medo.

"Há casos em que o policial é obrigado a dormir na delegacia", disse Bandeira. "A gente só pode pedir um comportamento digno do policial se ele tiver condições dignas de vida."

Violência policial

Para Bandeira, o fato de os policiais ganharem baixos salários e serem obrigados a viver nas mesmas vizinhanças onde vivem os bandidos que combatem é uma das raízes da excessiva violência de que os policiais são acusados.

"A população tem razão em reclamar. Tem policial que chega atirando, sim... Mas isso não é regra. A imprensa faz parecer que isso é freqüente."

Os policiais mais acusados de abusos, porém, são os policiais militares - os maiores responsáveis pelo policiamento das favelas do Rio, dia a dia. E a situação desses policiais não é muito diferente.

Enquanto os salários dos policiais civis podem variar de R$ 700 a 1.000, no caso dos militares os vencimentos giram em torno de R$ 700.

A população tem razão em reclamar. Tem policial que chega atirando, sim... Mas isso não é regra
Fernando Bandeira
Vanderlei Ribeiro, presidente da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar, acredita que 40% do efetivo de cerca de 33 mil policiais no estado do Rio vive em áreas de risco, especialmente na capital.

"O policial é fruto da violência. Ele é violentado no seu dia-a-dia. Além disso, a formação é precária (...), e a Polícia Militar não conseguiu ainda ser preparada para servir a sociedade, mas sim servir o Estado", disse.

"Nosso homem está abandonado, ele não é bem servido pelo Estado e não tem a possibilidade de exercer seus direitos. O policial precisa ser preparado para ser cidadão, e para exercer a cidadania."

Cidadania

Vanderlei Ribeiro também acredita que as pessoas em geral poderiam ajudar a mudar a forma como a polícia atuam especialmente em áreas carentes.

Vanderlei Ribeiro: "Policial precisa ser preparado para ser cidadão"
"Temos dificuldade de relacionamento com a comunidade", reconheceu ele, "porque a comunidade teme a polícia. A comunidade deveria ser mais participativa e exercer seu papel fiscalizador. O cidadão comum tem que fiscalizar mais a polícia e ser parceiro dela."

Com os baixos salários e as ameaças freqüentes recebidas pelos policiais que vivem em áreas carentes, um risco que existe é de o policial cair na tentação e passar a trabalhar com os criminosos.

"A maior parte da violência no Rio e em todo o Brasil é originária da disputa dos pontos de venda de droga. Isso também envolve policiais corruptos. É comum policiais se envolverem com a marginalidade", disse Fernando Bandeira.

Moradia segura

Para tirar os policiais das áreas de risco, o governo estadual firmou uma parceria com a Caixa Econômica Federal para, em tese, financiar casas mais baratas e em bairros mais seguros.

O projeto Moradia Segura foi criado na gestão do governador Marcello Alencar e prosseguiu no governo de Anthony Garotinho, mas foi paralisado durante a gestão Benedita da Silva.

No entanto, tanto Bandeira quanto Ribeiro acreditam que a iniciativa não funcionava.

"O financiamento está acima das capacidades de pagamento do policial. Além disso, as casas não são boas, são muito pequenas e têm uma localização péssima."

Uma iniciativa do governo estadual, porém, que parece estar tendo resultados, para diminuir a violência dos policiais e contra os policiais na favela é o GPAE (Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais), implantado em 2000 no complexo Pavão-Pavãozinho e Cantagalo (zona sul).

"O GPAE é um batalhão específico para favelas, que fica na comunidade, e em que há uma mudança na relação com os moradores. Há mais respeito ao cidadão, e se estabelece uma relação de maior confiança. Em dois anos de implantação do GPAE no Pavão/Pavãozinho, nenhuma pessoa foi morta a tiros", disse Pedro Strozenberg, coordenador de Segurança Pública e Direitos Humanos da ONG Viva Rio.

O projeto já foi ampliado para mais quatro favelas do Rio, mas, segundo Wanderlei Ribeiro, está "preso a determinados interesses políticos e por isso vai devagar". Mas, para Strozenberg, o ritmo de implantação do GPAE no Rio é o adequado.

"Está se mexendo com relações de muita mágoa e desconfiança. Esse processo precisa ser construído a cada passo. Está indo num ritmo razoável, mas é preciso maior esforço para que a experiência seja incorporada em outros locais.

Enquanto as mudanças não chegam, para policiais e ex-policiais que, como Carlos, vivem nas favelas, a única opção é permanecer em silêncio.

Onde procurar ajuda

Associação dos Oficiais Militares estaduais do Brasil

Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar/RJ
Av. Gomes Freire, 315 Sala 606/608
Centro - Rio de Janeiro/RJ
Tel. (0xx21) 2232 6554/2509 0557
E-mail: acs-pmerj@uol.com.br

Coligação dos Policiais Civis do Estado do Rio de Janeiro
Rua Angeolina Petropolis - casa 13
Itaipu - Niterói/RJ
Tel. (0xx21) 709-7236/ 9978-6949/ 620-2131

Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar/BA
Rua Machado Monteiro, s/nº
Machado - Salvador/BA
Tel. (0xx71) 312-4312
E-mail:acspmba@ieg.com.br

Leia também: Moradores estão acostumados com dia-a-dia violento
Policiais que moram em favelas escondem a profissão | BBC Brasil | BBC World Service

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