É possível que Flávio Bolsonaro também não soubesse a ficha técnica de outros dois policiais que participaram de sua campanha e foram presos na Operação Quarto Elemento, também desencadeada pelo Ministério Público, que investigava uma quadrilha de policiais especializada em extorsões. Pode ser que ele também não soubesse que, de acordo com o MP, a milícia de São Gonçalo organizou um ato de campanha em favor do Coronel Salema, seu colega de partido, eleito deputado estadual com quase 100 mil votos.
Ah, essa última é difícil de negar: além dos dois terem feito campanha juntos, Flávio Bolsonaro chegou a anunciar: “mais um guerreiro ao nosso lado!”. Parece que agora está ficando claro a qual lado ele estava se referindo.

O Mecanismo

Orgulhosa de ser militarista, a dinastia Bolsonaro nunca escondeu seu apreço pela milícia, grupos de paramilitares formados por ex-policiais, PMs, bombeiros e agentes penitenciários que torturamroubamtraficam dominam economicamente, grande parte do Rio de Janeiro.
Flávio Bolsonaro já propôs inclusive a legalização desses grupos paramilitares. No início de seu segundo mandato na Assembléia Legislativa do Rio, em 2007, ele votou contra a instalação da CPI das milícias, que entrou em pauta após um grupo de milicianos torturar por horas a fio uma equipe de jornalistas do jornal O Dia. A justificativa? Milícias não eram tão ruins assim e as pessoas são muito felizes em áreas dominadas por paramilitares.
“Sempre que ouço relatos de pessoas que residem nessas comunidades, supostamente dominadas por milicianos, não raro é constatada a felicidade dessas pessoas que antes tinham que se submeter à escravidão, a uma imposição hedionda por parte dos traficantes e que agora pelo menos dispõem dessa garantia, desse direito constitucional, que é a segurança pública”, disse à época, na Alerj.
Em casa a banda toca nesse ritmo. Em 27 anos de discursos como deputado na Câmara, o pai Jair Bolsonaro defendeu milicianos “do bem” e grupos de extermínio pelo menos quatro vezes. A primeira, em 2003, ao defender grupos de extermínio:
“Enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio, porque no meu Estado só as pessoas inocentes são dizimadas.”
Em 2008, ao criticar o relatório final da CPI das Milícias, Bolsonaro disse que “não se pode generalizar” ao falar de milicianos. Na época, a CPI pediu o indiciamento de 266 pessoas, entre elas sete políticos, suspeitas de ligação com grupos paramilitares no Rio.
“Querem atacar o miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os traficantes. Existe miliciano que não tem nada a ver com ‘gatonet’, com venda de gás. Como ele ganha 850 reais por mês, que é quanto ganha um soldado da PM ou do bombeiro, e tem a sua própria arma, ele organiza a segurança na sua comunidade. Nada a ver com milícia ou exploração de ‘gatonet’, venda de gás ou transporte alternativo. Então, Sr. Presidente, não podemos generalizar.”
Quando foi relembrado sobre este apreço pelas milícias durante a campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro fez a egípcia e se disse desinteressado no tema. “Hoje em dia ninguém apoia milícia mais não. Mas não me interessa mais discutir isso”, disse.
Jair Bolsonaro, vale lembrar, foi o único presidenciável a não se manifestar sobre a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes. E Flávio Bolsonaro foi o único deputado que votou contra a vereadora assassinada receber a medalha Tiradentes como uma homenagem póstuma.
No fim das contas, o brasileiro parece ter eleito o Major Rocha achando que estava votando no Coronel Nascimento. Talvez seus eleitores precisem assistir à Tropa de Elite de novo.
Correção: 22 de janeiro de 2019, às 20h46
Este texto inicialmente afirmou que a mãe e a esposa do ex-PM Adriano Nóbrega fizeram depósitos na conta do Fabrício Queiroz. Na verdade, foi apenas Raimunda, a mãe do ex-policial. O texto foi atualizado para refletir a mudança.