Essa e a verdadeira cara da nossa Segurança Publica

Essa e a verdadeira cara da nossa Segurança Publica

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Um Pouco Sobre Chacina, Protestos e Polícia

Um Pouco Sobre Chacina, Protestos e Polícia
Quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Um Pouco Sobre Chacina, Protestos e Polícia

    Dois eventos completamente distintos se entrecruzaram nessa última semana: a chacina de Osasco (13.08.15) na qual 18 pessoas foram executadas e as manifestações contra o governo no domingo (16.08.15).
O ponto de encontro entre os dois eventos é a polícia brasileira, especialmente a militar.
Suspeita-se (inclusive a própria Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo) que as execuções tenham sido praticadas por policiais como uma forma de vingança, já que dias antes um policial militar foi morto durante um roubo naquela região. As suspeitas do envolvimento policial decorrem, pelo que até agora foi publicado, das conversas de whatsapp em grupos fechados de policiais que “articulavam” a vingança, bem como pelos vídeos das execuções (maneira como os executores portam as armas) e pelo fato dos executores terem questionado e separado, antes de atirar, quais pessoas tinham antecedentes criminais.
Ocorrida a chacina na terça-feira, no domingo ocorreram as manifestações. E como já vem ocorrendo em manifestações dessa natureza – de oposição ao governo – muitos manifestantes demonstraram apoio à policia militar, concretizados em fotos com os policiais, com os veículos e até cartazes que enalteciam a polícia.
Poucas não foram as críticas dirigidas a estes manifestantes, que dias após uma das maiores chacinas da história do Estado de São Paulo – sobre a qual recaem sérias e fundadas suspeitas sobre a participação de policiais – enalteciam a polícia, a mesma suspeita de participar da chacina.
Qualquer desavisado que passasse pela Av. Paulista e visse toda essa demonstração de amor e carinho da população pela polícia militar certamente pensaria que o povo brasileiro tem uma relação amistosa e de muita confiança com as instituições policiais. Porém, como já escrito nesta mesma coluna, nada mais equivocado, pois em pesquisa realizada este ano pelo Datafolha sobre a confiança nas instituições policiais pelos brasileiros, o resultado foi o seguinte: “62% das pessoas tem medo de sofrer agressão da polícia militar e 53% tem medo de sofrer agressão da polícia civil.”
Mas então como fechar essa equação? Como explicar esse apoio e esse medo da policia que parecem vir das mesmas pessoas?
Antes de mais nada é preciso fazer algumas observações importantes: a policia, seja ela qual for, não é uma instituição absolutamente uniforme e sólida, pois formada por dezenas de milhares de pessoas que ao mesmo tempo a representam e a incorporam. O fato de se suspeitar que alguns executores sejam policiais, não pode condenar uma instituição inteira ao descrédito e nos fazer rotular todos os seus membros de assassinos. Esse raciocínio estúpido foi exatamente o utilizado pelos executores, que incapazes de suportar o peso do Estado Democrático de Direito, não aguardaram que o possível assassino de seu colega de farda fosse preso, acusado e condenado. Resolveram, os covardes executores, numa postura absolutamente fascista e cruel,  matar outras pessoas pelo simples fato de residirem no mesmo bairro e frequentarem o mesmo bar que o suposto latrocida.
Mas é óbvio que tal postura fascista e cruel não é compartilhada por todos os policiais, pelo contrário, tenho certeza de que é apoiada por uma ínfima minoria, de modo que muitos daqueles que receberam carinho e apoio da população no domingo eram merecedores dessas demonstrações.
Mas ainda assim, o paradoxo continua presente: como uma população que tem medo da polícia (conforme pesquisa citada) em determinados eventos demonstram apoio quase irrestrito a essa mesma polícia?
Acredito estar o problema localizado em um aspecto macroestrutural da segurança pública no Brasil.
A forma como nossas instituições policiais surgiram e evoluíram foram pautadas pela lógica da proteção de uma determinada parcela da população e, consequentemente, exclusão e repressão de outra. Nossas instituições policiais nasceram como verdadeiras milícias privadas ou como órgãos de proteção da realeza frente ao povo.
Durante a Ditadura Militar, houve no Brasil o acolhimento e institucionalização da odiosa Doutrina da Segurança Nacional, segundo a qual as instituições policiais e forças armadas têm como fim exclusivo a proteção do Estado, frente a sua própria população. Tal doutrina é típica de regimes de exceção em que o Estado precisa neutralizar inimigos do regime.
Porém, nosso grande equívoco certamente foi que mesmo após o fim da Ditadura Militar e com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, não atualizamos nossa estrutura constitucional em relação à segurança pública e não realizamos reformas que permitissem às nossas instituições policiais atuar democraticamente.
O artigo 144 da Constituição Federal, que trata da segurança pública, continua a prever que a finalidade desta é a manutenção da ordem pública, quando na verdade, em regimes democráticos, as instituições policiais não podem ter outra função que não a proteção dos direitos dos cidadãos, de forma absolutamente indistinta.
Porém, mantidas no plano macroestrutural as mesmas configurações das instituições policiais mesmo após 1988, o resultado não poderia ser outro: as polícias acabam por proteger determinada parcela da população e, para tanto,  excluem e reprimem outra parcela. Consequentemente, uma parcela da população aplaude e apoia a polícia, enquanto outra tem medo.
E o pior dessa situação é que a imensa maioria dos policias sequer tem consciência desse fato e certamente não percebem que são pequenas peças numa imensa engrenagem que funciona de maneira pré-programada antes mesmo deles ingressarem na corporação. Não se trata de uma questão de tática de policiamento ou mesmo de comportamento de cada policial, mas sim de um formatação ideológica de todo o aparato de segurança pública. É uma mudança que depende de toda a sociedade, e não exclusivamente dos policiais, pois estes também são vítimas e sofrem diversas opressões dentro das corporações, a começar pelo parco salário recebido pela maioria deles e pelo grau de estresse a que são submetidos diariamente.
Nesse aspecto, não é difícil perceber que a parcela da população que estava nas manifestações da Av. Paulista no domingo é aquela primordialmente protegida, sendo que as manifestações de apoio eram reais, pois normalmente a polícia é o instrumento que essa parcela se utiliza para reprimir e excluir a outra parcela da população que querem ver distantes, se possível apenas dentro das comunidades e periferias.  Não é à toa que a referida pesquisa sobre medo policial constatou que os que mais temem a polícia são os jovens, negros, pobres e moradores do nordeste, o que destaca um elemento econômico-social-geográfico de muito impacto no estudo.
Outro dado interessante é que não se verificou durante as manifestações qualquer menção digna de nota sobre a chacina ocorrida na periferia de São Paulo, como se aquelas pessoas que foram covardemente assassinadas não merecessem qualquer atenção. Imagine se fosse o contrário? Caso encapuzados tivessem invadido uma padaria na região da Av. Paulista e matado 18 jovens brancos de classe média?
Não vejo problema nenhum em se enaltecer a polícia, muito pelo contrário. Feliz o povo que ama e confia em sua polícia, pois este povo não a temerá. A polícia é uma instituição essencial a toda e qualquer sociedade contemporânea. Ademais, é sempre bom lembrar que os policias saem da própria sociedade, ou seja, são pessoas inseridas no próprio contexto social em que atuam. Não há democracia sem polícia, porém só há democracia real quando a oferta da segurança pública é a mesma para todos, ou seja, quando a segurança pública é efetivamente  uma segurança cidadã.  
Humberto Barrionuevo Fabretti é Advogado Criminalista e Professor Doutor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenize.  
Foto: André Tumbucci/Fotos Públicas.



Nenhum comentário:

Postar um comentário